sexta-feira, 17 de setembro de 2010

#5 Epílogo

#5. Epílogo – pra quê? Seraf se explica!

Tu certamente, amigo leitor, já deves estar cansado de ouvir essa minha voz gasta, ou ler essa minha caligrafia falha. Mas, se houver mais um resquício de açúcar em tuas veias, peço-te que me ouça ou leia.
Já tens aí uma boa noção de como transcorrem as coisas entre eu e Ayenet. Sabes de que nossa linda história sem fim perdura por esta vida, assim como percorrerá outras. Das vidas de nossas duas almas, que se pertencem – como diria uma amiga – das vidas já passadas fica o sucesso, o amor e a beleza de nossos filhos que nasceram.
Mas aí então te digo: e se fosse diferente? Se por algum motivo – motivo este que não valeria à pena, tenha certeza – nos separássemos? Cisma em como seria não há, pois somos um do outro como a Lua é do Sol. Consigo, no entanto, imaginar, por mais que só o imaginar já quase me tire os órgãos pela boca, de nervosismo e tristeza.
Continuando minha imaginação, assim seria: brigaríamos, de forma tão robusta e grossa que nem pareceríamos nós. Necessário que te lembres da linha tênue que existe entre o amor e ódio, neste momento. Se tanto nos amamos, nos odiarmos momentaneamente numa discussão é uma leve conseqüência. O problema seria que esse ódio tomaria conta, de uma forma que tantas verdades – verdades estas que nada tem de verdadeiras, se não serem só um monte de baboseiras – sairiam de nossa boca, que nossa relação perfeita resolveria tirar férias; não seria eu quem daria férias para ela, nem Ayenet. Ela simplesmente pensaria: “Eu não ficarei aqui enquanto vocês forem assim orgulhosos, e não me ajudarem. Quando quiserem, gritem, estarei a algumas milhas.”. Pois assim seria, o fim.
Passaríamos alguns meses, ainda, saibas, sem nem nos falarmos. Ódio é um sentimento engraçado. Mas logo que a falta seria sentida: primeiro em mim mesmo, que sou mais açucarado e apegado extremamente; depois nela, que em algum dia acabaria por pensar: “E Seraf? Como será que está?”
De certo sei como eu me sentiria, e é como se me faltasse o sabor do doce, ou o refresco do vento. Tudo seria entediante como um jogo de gamão, e eu repetiria por dias e dias o que é que me falta para esta minha vida. A resposta é mais simples do que se pode esperar, e está dita em todos os outros quatro capítulos que fazem essa história. AYENET.
Pois se minha vida não se fizer mais como é pra ser, Ayenet, é por não estar contigo. A senhorita é minha rosa eterna, meu castelo virado, meu riacho, meu vento, meu frio, minha camélia, meu verão, meu brinco perdido, minha amante, meu bom domingo, minhas forças, minha essência! Principalmente, sou seu.
Não sei mais bem como analisar; espero que em pouco tempo, depois disso tudo, estaríamos juntos novamente, com tudo certo, aquele sorriso perfeito no rosto. Completos, serenos, apaixonados. E nada mais importa, nada mais importa, não sei, não quero mais escrever, não quero mais falar, quero gritar, quero ligar a ela, dizer o quanto a amo, e o quanto as coisas são mortas sem ela!
Ayenet, se alguma vez em vida menti uma única palavra, foi porque sabia que a verdade lhe levaria embora de mim. E isso eu não posso permitir.

terça-feira, 18 de maio de 2010

com quantas rosas se desfaz uma vida?

Com Quantas Rosas se Desfaz uma Vida?

Primeira parte: O Apaixonar-se

Não sei bem até aonde tu, leitor, irá acreditar. A história que te conto pode parecer de mentira, mas de certo que tu te identificarás. Não é só um conto qualquer, nem só uma fabula de qualquer jeito. Ela deve te colocar para pensar na vida. Para refletir o que realmente vale o sangue que corre nas tuas veias. Comecemos!
Um jovem, no caminho do trabalho, se depara, num dia, com uma belíssima e vistosa rosa vermelha sangue, crescendo por entre as raízes de um grande Ipê.
No primeiro dia já se apaixonou pela sua beleza, pelo seu paradoxo de amor e agressividade, pelo seu vermelho sangue. Era tão suave de se olhar.
No segundo dia, o garoto, já tomado de paixão – pois em tudo que pensava era na rosa – resolveu tentá-la arrancar, para carregá-la consigo eternamente. Ao chegar perto com sua mão para resolver o corte no caule, ouviu-a rosa gritando.

– Não! Por tudo que existe não toque sequer em um pequeno espinho meu, senhor!

Sobressaltou-se o rapaz, pálido de susto, e sem entender o que havia acontecido, agachou-se, e resolveu tentar estabelecer um diálogo, por mais que já todo corado de vergonha pelo seu repente de assédio.

– Oh, bem, desculpe-me! Não fui um cavalheiro em minha atitude, admito! Mas és tão linda! Queria-te para levar comigo, para todo o sempre!
– Não me toques, senhor, eu lhe rogo. Sou uma ovelha-negra, uma desgraçada! Sou uma rosa eterna, assim como desejas, mas pago o preço, senhor, de ser eu, também, a única rosa desse mundo munida do veneno mais mortal que já existiu! Ele embebeda meus espinhos, assim ninguém mo pode tocar. Também ele está em minhas pétalas, para nem, sequer, ser eu cheirada por pessoa alguma! E...

A perplexidade nos olhos do jovem era comovente; parecia que sua pele perdera a cor, seu sorriso os dentes e seus atos a energia. Seguiu seu caminho, sem nem deixar a rosa perfeita terminar o que tinha a dizer.
No terceiro dia não foi ao trabalho, pois adoeceu. Assim também foram o quarto, quinto, sexto e sétimo dias. Deram-lhe de presente as mais variadas rosas, mas não se importava nem em olhá-las, pois sabia que sua rosa estava lá, às raízes do Ipê, eternamente. Ao fim dessa semana – que melhorou do seu desgosto – o garoto conseguiu se levantar e claro, resolveu ir vê-la. Seu grande amor, a rosa. Ao encontrá-la foi muito afobada em começar a se explicar.

– Oh, meu senhor, não acredito! Adoeceu? Pois tenho algo a dizer-lhe: meu veneno é tão potente que o se apaixonar por mim já envenena, e o senhor está condenado à morte! Tem exatos vinte e três dias do dia que se apaixonou por mim até que sucumba, meu bom senhor. No entanto, se me odiar, se o senhor conseguir me odiar e me nunca mais olhar, viverá.

Neste exato momento, horrorizado pela sua sentença de morte, o rapaz se levantou e correu de volta para sua casa. Lá permaneceu, refletindo como um louco físico, até o vigésimo terceiro dia. Pelo tantos dias de sumiço, a rosa acreditou que, pela milésima vez em sua vida ela tinha sido rejeitada, e seria agora pela milésima vez odiada. Chorou, lutou contra sua dor como pôde.

Segunda parte: O Decidir-se

O vigésimo terceiro dia tendo chegado, saiu o rapaz: estava muito belo, todo arrumado, vestindo um terno belíssimo. Saiu logo cedo de sua casa, satisfeito com um sorriso nunca antes visto pela vizinhança.
O quê era que passava pela cabeça do garoto? O quê tu achas que o fazia sorrir, leitor? Era a certeza de que viveria, d’aquele dia em diante, não é? “Certamente!” me responderás tu. Faz sentido, no entanto eu sou obrigado a discordar de tanta certeza de tua parte. Sendo assim, serei obrigado a me delongar em explicações.
Iria morrer, pois amava a rosa como nenhum dos outros mil apaixonados a amaram. No entanto podia optar por viver. Se o jovem resolvesse viver, o que ele estaria fazendo era rejeitar e odiar seu maior e único verdadeiro amor. As vezes isso pode ser pior que a morte. Pois era o viver: incompleto e procurando outro amor que esbarrasse perto do que sentia pela rosa, mas viveria ainda incontáveis anos! Ou o morrer: deitar-se ao lado da figura amada e cheia de perfeição, que ele almejou como nada antes, mas morreria, à flor da juventude seria levado desse mundo! Entendes agora por que tanto pensou, refletiu e filosofou o garoto? Não era uma decisão das fáceis. Porém decidiu. E vamos ao que aconteceu.
Saiu, sorrindo e de terno, no vigésimo terceiro dia. Sorridente como nunca antes, cumprimentou toda a vizinhança. Estava de folga do trabalho, aproveitaria. Passeou pela cidade, viu alguns amigos, bebeu com outros. Almoçou um qualquer coisa com pão e queijo. Ao jantar foi para casa, com seus pais. Logo após o término da janta foi para o lado de fora da casa, a propósito de fumar um cigarro. Voltou logo, sorrindo mais ainda. Queixou-se de cansaço. Viu o fim de um capítulo da novela que passava, e então foi mesmo deitar-se.
Foi encontrado morto, em sua cama, pela manhã do outro dia, ainda de terno. Tinha ele um bilhete na mão esquerda, e uma rosa na direita. O bilhete dizia somente: “Não desejo nenhuma flor além desta rosa em meu funeral.”

Augusto Môro

segunda-feira, 3 de maio de 2010

curando queimaduras

Curando queimaduras

Talvez o mais frio vento os abateu, vinha cortante assim, ia soprar nos ossos, nos dois corações que ali se alegravam. Admito que os ossos possam ter se congelado todos, mas o que é certo, e ponham em mim fé, é que os corações nem se deram conta do frio, por tanto que radiam, por tanto que fervem quando estão perto! Parece que bombeiam o dobro do sangue, mas não se cansam como tal, que o fariam isso por dias e dias ininterruptamente se lhes fosse possível.
Houve que nem os ossos congelados os tirariam dali. Garanto que ambos congelariam suas vidas naquelas horas. Estavam a céu aberto, no começo da madrugada, debaixo de uma lua minguante ainda cheia. O que faziam? Bem, nem eu sei dizer, só sei que não se conversavam. Não sobre o que realmente importava e os trouxera até ali. O garoto comentava do frio, e das estrelas. Ela dizia que estava bem, mesmo diante a baixa temperatura, e falava sobre a beleza da lua ou das constelações. Eles então ouviam o canto de algum pássaro da noite. Era isso que saía das bocas.
Até que desistiram desse desnecessário diálogo, e só ali, em pé, ficaram. Logo deram uma das mãos. Minutos depois deram ambas. Algum tempo passado, se abraçaram, pois realmente lhes era fria, a madrugada. E a cada ventar, mais apertado e caloroso era o abraço! Era algo bonito de se ver. Se aceitam minha opinião, um casal belíssimo formam. Em verdade só a senhorita já faz o “belíssimo” por si só. Mas eu não a quero elogiar, pois ainda hoje gostaria de botar um ponto final a este texto.
Abraçados ao relento então, estiveram, por horas. Li em algum livro ou artigo que quando se está bem ao lado de alguém e o silêncio não é algo constrangedor, está sendo agradável para ambos. Também li, só que em outro livro, que são nesses silêncios não-constrangedores que os corações falam. Não sei dizer até que ponto acredito nisso. Mas sei que aqueles dois corações muito tinham o que dizer um ao outro. Quase as era possível ouvir, as palavras, se desprendendo e se jogando para serem compreendidas. O garoto, após muito ouvir daquele silêncio, beijou levemente a testa da senhorita. Ela esboçou confusa um sorriso confuso.
Talvez uma hora após silêncio ou comentários aleatórios – que tinham por função principal desviar os olhares que se fixavam, com muita facilidade, hora nos olhos, hora nos lábios – o garoto a deu um beijo na bochecha. Nunca antes ele havia dado um beijo num rosto com tanto carinho. Outra vez confusa e sorriso confuso.
Passaram ainda mais tempo resistindo, lutando bravamente contra algo que não queriam lutar. Relutaram, repensaram, e ousaram naquela perfeita ocasião tentarem não se beijar. Um absurdo! Completos eram, quando juntos; se amavam, por mais que dissessem o contrário; não ousariam – em verdade, nem agüentariam – dormir uma noite sequer se aqueles lábios não se encontrassem.
Desfez-se boa parte da confusão da cabeça da senhorita que logo se beijaram, é claro. Com muito ímpeto, um que esteve contido e foi liberado duma vez, mas sem perderem o romantismo, o carinho e a pureza. Por quanto tempo me falhou o cronômetro, só lhes afirmo que na cabecinha dos dois passavam segundos como horas, e horas como milésimos de segundo. Eles emanavam satisfação.
Talvez agora tu penses, leitor: “Que diabos me interessa essa historinha?”. Eu serei, logo, obrigado a dizê-lo: “Gostaria que visse que não importa, quando é verdadeiro o sentimento, não se pode fugir dele: Se fechares os olhos, ele cantará. Se fechares os ouvidos e os olhos, cheirará à baunilha. Se não sentires mais cheiro, nem veres, nem ouvires, ele te queimará a pele de uma forma que todos os sentidos voltarão a funcionar ao mesmo tempo.”
E é quando todos eles voltarem a funcionar novamente, e funcionem por uma só alma, que terás certeza de que estás amando. A felicidade que isso traz arrancaria perfume de uma camélia**. Acredite.

**: pode parecer idiotice o que está escrito, pois arrancar perfume de uma flor é algo simples; no entanto a camélia é dita ser a flor sem perfume. Sendo assim, me parece algo quase impossível obter perfume de camélias – quase pois algumas espécies de camélia têm um pequeno perfume, bastante suave. Enfim, é isso.


Augusto Môro

segunda-feira, 19 de abril de 2010

manual para subidas e castelos virados

Manual Para Subidas e Castelos Virados

Se é mesmo um manual, ou crônicas, ou confissões não sei bem dizer. Sei que dói um bocado. Aliás, mais que doer, incomoda, corrói, carcome, apodrece, escarra e destrói qualquer orgulho humano que se preze. Não só o orgulho como o humor, a alegria e qualquer outro tipo de força boa que talvez houvesse nesse humano; por isso recomendo lê-lo.
Deixe-me explicar: do que tiras tu forças? Exemplificando, alguns têm para estim’ação o amor, outros o jogo; alguns o trabalho e o suor. Outros cães ou gatos, ou os filhos. No fim, todos tiramos as forças de alguma coisa, seja isso bom ou ruim. Eu me estou mais para aqueles que tiram as forças do amor, por mais que sejamos os que mais sofrem. Saiba, o amor é um terreno incerto, cheio de solavancos e terremotos; daqueles que os verdadeiramente inteligentes por nada montam seu alicerce sobre – sabem que caíra o que construírem.
É talvez a partir daqui que começa minha verdadeira sina.
Pois montar as bases da sua felicidade nesse terreno hora arenoso, hora firme como pedra, acaba somente gerando infelicidades! É muito parecido com a ideia de se virar um castelo de ponta-cabeça: como seria possível viver pisando no teto? Cá entre nós, isso sim deve de ser um gigante problema. Acostumar-se com seu lar virado de desta forma excêntrica deve ser frustrante, além de muito estranho. Mas temos que sempre sermos, dia após dia, mais fortes. Deve existir algum tipo de remédio para isso, como mudar-se para uma nova terra, mas uma das boas, onde não há castelos de ponta-cabeça, ou casas de pernas para o ar, ou felicidades transformadas em infelicidades. Mas os que gostam do amor não trocam sua terra por nada. “Chamem-nos de idiota!”, gritamos.
Preferimos viver pisando no teto, ou subindo pelas paredes, ou que mais diabo for necessário; tudo por um só sentimento. Tudo por um só sorriso, ou quem sabe um par de elogios. Mas no amor, diferente região de todas, no amor não se repara direito no que acontece, mas quando acontece, provavelmente arruína todo seu dia. Quem sabe não arruína até toda sua semana, ou todo seu ano. Ouvi casos em que foi arruinada toda uma vida!
Nessa terra de gigantes, esta é a lei. Durma com um olho aberto, tranque as portas e janelas, não fume, e se for dirigir, não beba. Belos limites, que como dizem todas as bocas dessa terra, só existem para serem quebrados.
E é nessa rotina que nos encontramos: viver num castelo de ponta cabeça, vomitando o que nos foi dado de comer. É aqui que se desiste.
Ou não. Ou se resolve dar a cara pra bater, lá fora. Ah, coisa sem preço! Como é satisfatório agüentar todas e quaisquer pancadas que nos derem! Seja com as mãos nuas, porretes, facas, choques ou fogo. Agüenta-se tudo no peito, e este estufado e aberto, como querendo mais ainda a dor, como se dissesse “Venham! Venham! Não me assustam!”. Dar a cara pra bater, no caso dos que usam de combustível o amor, pode não ser uma coisa boa.
Às vezes se fica com combustível demais; normalmente falta o que queimar para gerar mais energia. E tenha certeza de que se precisa de muita energia para subir os morros desta terra de loucos.
São elevadíssimas, montanhas arranha-céu, cortando já aquele terreno problemático e cheio de intempéries.
É entediante ficar sem combustível ao começar a subida – mas é o começo, é só descer. Esses são os melhores casos. Felizes são os que ficam sem energia nos primeiros dias de jornada.
É uma pena, quando se fica sem combustível, próximo da metade da viagem. Nem se aproveita boa parte da vista, nem se está totalmente esgotado, existe um impulso em continuar viajando, mas oras, voltemos! O pior dos males é ficar sem sua gasolina muito próximo ao topo; Esses são os que mais se frustram.
A vista já é belíssima, mas não o bastante, pois não é a visão do topo. Está-se cansado, com fome, falta de ar e uma dor absurda nas pernas e no estômago: tudo isso para não chegar lá em cima. Estes perdem a cor dos olhos.
No entanto, o que nós, sonhadores, talvez ingênuos e provavelmente idiotas, acreditamos é que compensa arriscar. Compensa arrancar tudo da garagem e embarcar para a montanha mais alta.
É simples, como pensamos: Viajaremos por meses, anos. Faltar-nos-á comida, bebida e descanso. O Sol, que nos fará bem por umas semanas, acabará por queimar toda a nossa pele, e pediremos a chuva. A chuva, que será uma benção nos primeiros dias, acabará encharcando nossas roupas e ossos, e imploraremos pelo frio. O frio, que nos secará até a alma, acabará, por fim, por nos gangrenar alguns dedos, além de desaquecer nosso coração. Aí vamos querer o Sol, novamente. Complicada a subida!
Mas alguns alcançam o topo. Certos campeões chegam lá, e plantam seu estandarte, ou gritam seu nome, enfim, deixam sua marca de vitória. Engraçado que depois de mil dias de choro, choramos pela milésima primeira vez.
Só que, finalmente, é de felicidade.


Augusto Môro