terça-feira, 18 de maio de 2010

com quantas rosas se desfaz uma vida?

Com Quantas Rosas se Desfaz uma Vida?

Primeira parte: O Apaixonar-se

Não sei bem até aonde tu, leitor, irá acreditar. A história que te conto pode parecer de mentira, mas de certo que tu te identificarás. Não é só um conto qualquer, nem só uma fabula de qualquer jeito. Ela deve te colocar para pensar na vida. Para refletir o que realmente vale o sangue que corre nas tuas veias. Comecemos!
Um jovem, no caminho do trabalho, se depara, num dia, com uma belíssima e vistosa rosa vermelha sangue, crescendo por entre as raízes de um grande Ipê.
No primeiro dia já se apaixonou pela sua beleza, pelo seu paradoxo de amor e agressividade, pelo seu vermelho sangue. Era tão suave de se olhar.
No segundo dia, o garoto, já tomado de paixão – pois em tudo que pensava era na rosa – resolveu tentá-la arrancar, para carregá-la consigo eternamente. Ao chegar perto com sua mão para resolver o corte no caule, ouviu-a rosa gritando.

– Não! Por tudo que existe não toque sequer em um pequeno espinho meu, senhor!

Sobressaltou-se o rapaz, pálido de susto, e sem entender o que havia acontecido, agachou-se, e resolveu tentar estabelecer um diálogo, por mais que já todo corado de vergonha pelo seu repente de assédio.

– Oh, bem, desculpe-me! Não fui um cavalheiro em minha atitude, admito! Mas és tão linda! Queria-te para levar comigo, para todo o sempre!
– Não me toques, senhor, eu lhe rogo. Sou uma ovelha-negra, uma desgraçada! Sou uma rosa eterna, assim como desejas, mas pago o preço, senhor, de ser eu, também, a única rosa desse mundo munida do veneno mais mortal que já existiu! Ele embebeda meus espinhos, assim ninguém mo pode tocar. Também ele está em minhas pétalas, para nem, sequer, ser eu cheirada por pessoa alguma! E...

A perplexidade nos olhos do jovem era comovente; parecia que sua pele perdera a cor, seu sorriso os dentes e seus atos a energia. Seguiu seu caminho, sem nem deixar a rosa perfeita terminar o que tinha a dizer.
No terceiro dia não foi ao trabalho, pois adoeceu. Assim também foram o quarto, quinto, sexto e sétimo dias. Deram-lhe de presente as mais variadas rosas, mas não se importava nem em olhá-las, pois sabia que sua rosa estava lá, às raízes do Ipê, eternamente. Ao fim dessa semana – que melhorou do seu desgosto – o garoto conseguiu se levantar e claro, resolveu ir vê-la. Seu grande amor, a rosa. Ao encontrá-la foi muito afobada em começar a se explicar.

– Oh, meu senhor, não acredito! Adoeceu? Pois tenho algo a dizer-lhe: meu veneno é tão potente que o se apaixonar por mim já envenena, e o senhor está condenado à morte! Tem exatos vinte e três dias do dia que se apaixonou por mim até que sucumba, meu bom senhor. No entanto, se me odiar, se o senhor conseguir me odiar e me nunca mais olhar, viverá.

Neste exato momento, horrorizado pela sua sentença de morte, o rapaz se levantou e correu de volta para sua casa. Lá permaneceu, refletindo como um louco físico, até o vigésimo terceiro dia. Pelo tantos dias de sumiço, a rosa acreditou que, pela milésima vez em sua vida ela tinha sido rejeitada, e seria agora pela milésima vez odiada. Chorou, lutou contra sua dor como pôde.

Segunda parte: O Decidir-se

O vigésimo terceiro dia tendo chegado, saiu o rapaz: estava muito belo, todo arrumado, vestindo um terno belíssimo. Saiu logo cedo de sua casa, satisfeito com um sorriso nunca antes visto pela vizinhança.
O quê era que passava pela cabeça do garoto? O quê tu achas que o fazia sorrir, leitor? Era a certeza de que viveria, d’aquele dia em diante, não é? “Certamente!” me responderás tu. Faz sentido, no entanto eu sou obrigado a discordar de tanta certeza de tua parte. Sendo assim, serei obrigado a me delongar em explicações.
Iria morrer, pois amava a rosa como nenhum dos outros mil apaixonados a amaram. No entanto podia optar por viver. Se o jovem resolvesse viver, o que ele estaria fazendo era rejeitar e odiar seu maior e único verdadeiro amor. As vezes isso pode ser pior que a morte. Pois era o viver: incompleto e procurando outro amor que esbarrasse perto do que sentia pela rosa, mas viveria ainda incontáveis anos! Ou o morrer: deitar-se ao lado da figura amada e cheia de perfeição, que ele almejou como nada antes, mas morreria, à flor da juventude seria levado desse mundo! Entendes agora por que tanto pensou, refletiu e filosofou o garoto? Não era uma decisão das fáceis. Porém decidiu. E vamos ao que aconteceu.
Saiu, sorrindo e de terno, no vigésimo terceiro dia. Sorridente como nunca antes, cumprimentou toda a vizinhança. Estava de folga do trabalho, aproveitaria. Passeou pela cidade, viu alguns amigos, bebeu com outros. Almoçou um qualquer coisa com pão e queijo. Ao jantar foi para casa, com seus pais. Logo após o término da janta foi para o lado de fora da casa, a propósito de fumar um cigarro. Voltou logo, sorrindo mais ainda. Queixou-se de cansaço. Viu o fim de um capítulo da novela que passava, e então foi mesmo deitar-se.
Foi encontrado morto, em sua cama, pela manhã do outro dia, ainda de terno. Tinha ele um bilhete na mão esquerda, e uma rosa na direita. O bilhete dizia somente: “Não desejo nenhuma flor além desta rosa em meu funeral.”

Augusto Môro

segunda-feira, 3 de maio de 2010

curando queimaduras

Curando queimaduras

Talvez o mais frio vento os abateu, vinha cortante assim, ia soprar nos ossos, nos dois corações que ali se alegravam. Admito que os ossos possam ter se congelado todos, mas o que é certo, e ponham em mim fé, é que os corações nem se deram conta do frio, por tanto que radiam, por tanto que fervem quando estão perto! Parece que bombeiam o dobro do sangue, mas não se cansam como tal, que o fariam isso por dias e dias ininterruptamente se lhes fosse possível.
Houve que nem os ossos congelados os tirariam dali. Garanto que ambos congelariam suas vidas naquelas horas. Estavam a céu aberto, no começo da madrugada, debaixo de uma lua minguante ainda cheia. O que faziam? Bem, nem eu sei dizer, só sei que não se conversavam. Não sobre o que realmente importava e os trouxera até ali. O garoto comentava do frio, e das estrelas. Ela dizia que estava bem, mesmo diante a baixa temperatura, e falava sobre a beleza da lua ou das constelações. Eles então ouviam o canto de algum pássaro da noite. Era isso que saía das bocas.
Até que desistiram desse desnecessário diálogo, e só ali, em pé, ficaram. Logo deram uma das mãos. Minutos depois deram ambas. Algum tempo passado, se abraçaram, pois realmente lhes era fria, a madrugada. E a cada ventar, mais apertado e caloroso era o abraço! Era algo bonito de se ver. Se aceitam minha opinião, um casal belíssimo formam. Em verdade só a senhorita já faz o “belíssimo” por si só. Mas eu não a quero elogiar, pois ainda hoje gostaria de botar um ponto final a este texto.
Abraçados ao relento então, estiveram, por horas. Li em algum livro ou artigo que quando se está bem ao lado de alguém e o silêncio não é algo constrangedor, está sendo agradável para ambos. Também li, só que em outro livro, que são nesses silêncios não-constrangedores que os corações falam. Não sei dizer até que ponto acredito nisso. Mas sei que aqueles dois corações muito tinham o que dizer um ao outro. Quase as era possível ouvir, as palavras, se desprendendo e se jogando para serem compreendidas. O garoto, após muito ouvir daquele silêncio, beijou levemente a testa da senhorita. Ela esboçou confusa um sorriso confuso.
Talvez uma hora após silêncio ou comentários aleatórios – que tinham por função principal desviar os olhares que se fixavam, com muita facilidade, hora nos olhos, hora nos lábios – o garoto a deu um beijo na bochecha. Nunca antes ele havia dado um beijo num rosto com tanto carinho. Outra vez confusa e sorriso confuso.
Passaram ainda mais tempo resistindo, lutando bravamente contra algo que não queriam lutar. Relutaram, repensaram, e ousaram naquela perfeita ocasião tentarem não se beijar. Um absurdo! Completos eram, quando juntos; se amavam, por mais que dissessem o contrário; não ousariam – em verdade, nem agüentariam – dormir uma noite sequer se aqueles lábios não se encontrassem.
Desfez-se boa parte da confusão da cabeça da senhorita que logo se beijaram, é claro. Com muito ímpeto, um que esteve contido e foi liberado duma vez, mas sem perderem o romantismo, o carinho e a pureza. Por quanto tempo me falhou o cronômetro, só lhes afirmo que na cabecinha dos dois passavam segundos como horas, e horas como milésimos de segundo. Eles emanavam satisfação.
Talvez agora tu penses, leitor: “Que diabos me interessa essa historinha?”. Eu serei, logo, obrigado a dizê-lo: “Gostaria que visse que não importa, quando é verdadeiro o sentimento, não se pode fugir dele: Se fechares os olhos, ele cantará. Se fechares os ouvidos e os olhos, cheirará à baunilha. Se não sentires mais cheiro, nem veres, nem ouvires, ele te queimará a pele de uma forma que todos os sentidos voltarão a funcionar ao mesmo tempo.”
E é quando todos eles voltarem a funcionar novamente, e funcionem por uma só alma, que terás certeza de que estás amando. A felicidade que isso traz arrancaria perfume de uma camélia**. Acredite.

**: pode parecer idiotice o que está escrito, pois arrancar perfume de uma flor é algo simples; no entanto a camélia é dita ser a flor sem perfume. Sendo assim, me parece algo quase impossível obter perfume de camélias – quase pois algumas espécies de camélia têm um pequeno perfume, bastante suave. Enfim, é isso.


Augusto Môro