quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

o final

#4. O Final – que nada tem de fim!


Muito bem, está dito. Está explicado o por quê de eu acreditar que há salvação nessa vida. Não sei se de forma satisfatória mas, enfim, está explicado. Acima de tudo, espero que meus sentimentos estejam bastante visíveis para todos... São só eles que importam; Acima de tudo, leitor, são eles que importam, que ficam.
Como dizem por aí, “O que se leva dessa vida?” Nada! Digo eu. “De onde viemos?” Quem sabe? Mas suponho eu ser de um lugar agradável! “Para onde vamos?” E isso lá importa? Respondo-lhes. Essa vida, simplesmente tem que valer.
Valer para o senhor mesmo, não para mais quem quer que seja. E como ela valerá, em verdade, somente o senhor mesmo saberá responder-lhe a si mesmo. Para mim, tudo que me vale é o amor de Ayenet. Tudo que me vale é as coisas valerem, sendo como forem, colocando-me um sorriso no rosto, e satisfazendo Ayenet. Acredite, ela realmente me é tudo, leitor. Gosto de acreditar que somos tudo um para o outro.
Muito me alegra o quão é recíproco isso tudo. Também me deixa aos saltos o quão bela minha bela fica num vestido branco – incomparavelmente linda. Aliás, chamá-la somente linda é um insulto, no entanto isso me parece um pouco chavão, lugar-comum demais; por isso diria que ela é mesmo linda, linda de morrer, linda de doerem-se todos os meus ossos, músculos e dedos, linda como a noite, linda como o dia, como as montanhas num dia chuvoso, ou como um raio de luar, linda como somente ela sabe ser, linda, dona ela da maior beleza que já vi.
E não tenho muito mais a dizer, exceto insistir pra que o senhor desde já começa a mudar-se! Pra que desde já comecemos a viver nossa vida como se deve, aproveitando realmente. Viver para alguma coisa além de só o dinheiro, muito mais além de somente viver. Viver porque se dá gosto viver, por que vale!
“Because this life, it has got to worth it! We should celebrate every step forward. We should celebrate every celebration! Dance, drink, laugh, then sleep, then do everything again! Yet work, of course, yet have problems. But that must not be the only thing.” Como assim me disse um grande rapaz, de um nome peculiar, Leaf, se chamava.
Amigo leitor, talvez tenha até eu me demorado não é? Comeu todos os doces que existiam em sua casa? Pois se o fez, compre mais, que não podemos ficar sem doces, oras! É uma sugestão, somente, porém.
E a grande verdade é que não consigo imaginar um ponto final pra isso tudo, já que não quero que esta história tenha um fim. Gosto de apreciar a idéia de que ela será infinita, tenha certeza! Então é assim que termino! Sem final, sem nem passar perto de um ponto final, pois – sim! – ela ainda tem muito que acontecer!
Pois – sim! – certamente que vale muito a pena

Augusto Môro

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

à beira do riacho

#3. À Beira do Riacho – Seraf sorrindo e sem fôlego nos conta!

Ficaram as coisas mais claras agora, leitor? Espero que sim. E bem, devo dizer-lhe que a resposta àquela carta foi imediata; assim como o amor entre nós dois foi rápido em montar seus alicerces de reciprocidade. Pelos deuses, e como foi rápido. Mas em verdade isso é algo ótimo.
Gostaria agora de relatar-lhe a experiência de um belíssimo dia que houve. Já nos relacionávamos há algum tempo, não sei dizer-lhe há exatamente quanto, desculpe-me; isso acontece porque pareço conhecer Ayenet desde o dia em que nasci – e nascemos apaixonados um pelo outro. De qualquer forma, um dia único, a data não fará muita diferença, suponho.
Sentados sossegávamos na suave relva, Ayenet molhava, no marejar morno d’um riachinho, seus sedosos e belos pezinhos, branquinhos, na pouca correnteza que havia, afinal, até as águas se emocionavam com a belezinha deles! Ali nos olhávamos. Torna-se cintilante ao sol, a senhorita, sabe-se lá como, somente sei que se parece mais brilhante. O sol, pois queria tocá-la, parecia arder com mais ansiedade; mas as belas nuvens, fofinhas, flutuantes, fluídas, abrandaram de forma magistral os anseios do astro maior, e não houve dano à pele meiga e bem cuidada de Ayenet. Vestia ela azul claro, bastante clarinho, uma roupa de verão, que completavam minha plena satisfação. Fica tão bem de azul-claro, a minha bela!
Ali, deitado ao colo daquela que deu cores quíntuplas a minha vida cinza chata, resolvi me arriscar:
“É mesmo amor que há entre nós, bela?” Perguntei-lha, com o coração a sair-me pela boca, um medo mórbido de uma negativa resposta, mas as pupilas dilatadas de esperança.
“Acho que sim!” Ela me respondeu, e sorrindo como se tivesse encontrado diamantes em meus olhos completou: “Há algum por quê de não sê-lo, anjo?”
Admito que neste momento sorria eu como se todo o mundo a minha volta fosse feito de diamantes. Minha alegria e gosto pela vida eram tantos que até me ruborizaram as faces, e eu fiquei sem palavras. Por longos segundos nos olhamos, em silêncio, explodindo de alegria, como se algo mais profundo que nossas almas se conversassem. O beijo que ocorreu, logo após o término desse diálogo sem palavras, teve gosto de baunilha. Sou apaixonado por baunilha! Em verdade não sei se os lábios de Ayenet têm aquele gosto de baunilha, ou se foi um erro de processos em minha mente, que se atordoa inteiramente ao lado dela.
Admiti também naquele riacho o quanto ela me fazia bem, o quanto a adorava, o quanto eu a agradecia por ter entrado em minha vida e não ter saído. Também o quanto eu gostaria que ela não saísse, mas sim que ficasse. Ayenet ouvia a todas as minhas palavras atenta, com o rosto em brasa... Belíssima – um desmaio de bela – quando fica sem jeito!
Talvez agora o senhor possa estar pensando: “Ah, mas este riacho certamente lhes demonstra que as palavras somente foram embora, levadas pelo vento, pela água, pelo movimento da vida!” Perspicaz, no entanto, incorreto!
Aquele riacho só pôde demonstrar – aliás – não somente o riacho, mas toda aquela paisagem, o sol, as nuvens, a grama, o canto dos pássaros; essas composições todas somente nos mostraram uma coisa, quando todas elas se juntaram ali para nós, quando ali se juntaram em quebra-cabeças, quando ali se juntaram numa química perfeita, numa gravura sem imperfeições, se juntaram e mesmo assim resolveram ofuscar-se por detrás, sendo somente um cenário...
O riacho corria devagar em honra aos pés de Ayenet, e corria baixinho, para não atrapalhar nem um verbo de nossa conversa. Os pássaros imitavam essa manobra do riacho, cantavam com amor, mas não para serem ouvidos. O sol, por mais que ardesse, abrandava-se nas nuvens, e de forma até gentil. As nuvens só ofuscavam o sol, perderam suas formas, até seu branco deixaram de lado. A grama confortava-nos como um veludo, parecia cortada à mão, uma por uma, por um jardineiro muitíssimo experiente, mas sequer saiu ela debaixo de nós.
Insisto, todas essas coisas, forte como só elas são, ali se juntaram e se ofuscaram, ali se esforçaram para aparecer por detrás, quietas, aparentemente envergonhadas até, mas ainda belas... Isso só pode significar uma coisa!
Até os planetas movem-se mais devagar diante um verdadeiro amor!


Augusto Môro

terça-feira, 15 de setembro de 2009

pegue seus biscoitos

meus bons amigos, reparemm, por favor, que este aqui é o primeiro "capítulo" da história de Ayenet e Seraf. Assim, para melhor compreensão, explico: Leia este, e em seguida leia o texto abaixo (#2. O advento de Ayenet - Carta de Seraf a sua bela).
Alguma dúvida sobre a cronologia?

#1. Pegue seus biscoitos – e diga um sonoro olá!

Gostaria de me apresentar a você leitor. Chamo-me Seraf; meu sobrenome não fará diferença. Tem aí alguns biscoitos? Quem sabe um belo bolo de aniversário? Um mousse? Ora vamos, muna-se logo de alguns doces e os vá aproveitando enquanto lê. É uma sugestão, somente, porém.
Por que lhe escrevo estas linhas é bastante simples: esta vida, diria, faz pouquíssimo de bom para todos nós. Totalmente cansamo-nos trabalhando, e ao chegarmos a nossa casa temos todos os problemas familiares, todos os empecilhos milhares que nos assolam e não nos deixam alimentarmos nem dormirmos bem.
Oh, mas não pense que lhe escrevo como mais um qualquer, que somente quer vomitar as porcarias da vida numa mesa limpa, emporcalhando pratos limpos, sujando um papel virgem de escárnio e infortúnio.
Venho no sentido contrário: para garantir que nenhum de nós desista! Pois lhe garanto que se a vida nos faz mal quase que constantemente, ao fazer o bem, virá ele – o bem – de todo. Virá como uma onda, arrastando-nos para o mais fundo do mar da felicidade. A alegria nos afogará, inundará nosso acordar e nossos dias todos. Uma sensação inigualável.
Acontece que tinha eu uma vida normal... Chata, conturbada. E logo o senhor leitor já imaginava que lá ia eu a discutir as estafas da minha velha vida. Mas não, senhor, por favor, não pense isso de mim! Dê mais um belo bocado em seu doce; Ótimo. Já lhe disse que me encontro em sentido contrário! Tomo em mãos a pena e o papel para lhes berrar, urrar, gravar a fogo a esperança de que esta vida é boa!
Mas tinha mesmo eu uma vida normal. Pouquíssimo dela aproveitava. Os amores me afundavam, os estudos me cansavam, os trabalhos me esgotavam de vez. Então houve o dia que me aconteceu o bem maior deste mundo.
Era uma noite do começo de agosto. O inverno ventava gelado em meus ossos. Mas o que aconteceu acendeu uma centelha em meu interior; o fez tão fortemente, que se tornou um verão tropical, todo meu agosto.
Se me deixa filosofar um pouco mais, leitor, assedia-me à cabeça uma idéia. Vem louca dizendo que talvez nem vivesse eu antes daquela noite. Mas imagino isso ser só mais um desses clichês de amor, que li em algum Romântico, clichê que resolveu espelhar-se em minha situação para tomar forma sólida. Digo, então, que vivia sim, vivia... Mas muito mal.
Não mal como um porco, ou um sem-teto. Tinha eu casa, comida, esses básicos. Mas acontece na vida, de todos nós, suponho, uma porcaria sem tamanho, que é o esquecimento da importância desses valores pequenos, inocentes, mas que deveriam trazer muita satisfação. Como ganhar um bolinho, todo recoberto por confeitos; receber o sorriso de um neném, por mais que não haja um só dente naquela boquinha; assistir ao pôr-do-sol, ciente de que nenhum dos que o senhor viu ou verá serão iguais a este. Ao sermos crianças esses acontecimentos nos renderiam algumas páginas de um diário. Já crescendo um pouco, o bolinho seria comido num só bocado, enquanto organizávamos o itinerário de nosso dia. Pobre humanidade! Ambiciona uma rapidez que somente a destrói!
Mas retomando, pois me perdi em digressões; também eu esqueci dos pequenos valores. E o senhor leitor, se não esqueceu, esquecerá – desculpe-me a frieza com que lhe dou esta notícia... Se engasgou com o doce, tome, por favor, um pouco de refresco ou água. Muito bem, continuemos, então; dessa forma, por mais que me encontrasse em plena saúde e rodeado de amigos, não vivia feliz! Faltava-me um pedaço. O pôr-do-sol me era preto e branco.
Agora tem um dia chuvoso milhares de cores! Um dia ensolarado se transforma num caleidoscópio de tons e movimentos! O vento se estufa nas árvores, o seu soprar, o ramalhar, são sons belíssimos! Um pássaro não canta mais no mesmo tom do outro, sendo todas as canções sinfonias compostas com todo o esmero possível!
Uma benção, que se houve sobre minha vida, haverá também sobre a sua.
Oras mas quase me esqueci!
O que houve naquela noite de agosto? Pois bem, para contar-lhe, mostro uma carta que fiz, endereçada ao belo amor que me acendeu naquele agosto. Empreste-me seus olhos mais um pouco, amigo. Se for o caso, pegue mais biscoitos!


Augusto Môro
- comemorando um mês junto da minha bela Tay! *-*

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

a chegada de ayenet

#2. O advento de Ayenet - Carta de Seraf a sua bela

Ventava veloz o vento naquela noite. Voava em viés pelo véu azul do céu, já escuro, soprando sorrateiro, gelado ia voando. E esse vento, tocando as tuas belas faces alvas e vibrantes, Ayenet, fez-te corada como um bloush carmim. Teus cabelos louros esvoaçavam também, mas não se desarrumavam; tua beleza, de se olhar é uma gentileza, diria eu... Ficas mais irresistível ainda, ao vento.
Suponho que soprava com tanta fúria o vento naquela noite, pois cobiçava ficar mais e mais grudado em teus traços. Mas deixemos de lado o tempo, que pouco nos importa, e deixe-me mais falar de teus olhos.
Inigualáveis! Mas em verdade, não sei se arrisco me pronunciar sobre eles... Verdes – não, acinzentados – ou pouco amarelados... Quem sabe levemente azuis... Vês? Já me afobei em dizeres, sem nem mesmo ter conseguido ainda bem compreendê-los. Isso que só tento compreender os olhos... Nem me aprofundei em teu olhar!
Quer dizer, não me aprofundei com os pensamentos, pois me atirei com todas as minhas forças pro mais fundo dele. Talvez tenhas tu olhares de Capitu. Mas não é nada dissimulado, ele, olhar, como o da outra. Mas admito me sentir puxado para eles... Oras! Vês como é confuso, bela Ayenet? Prefiro não me deixar cair nessa armadilha de filosofia infinita que travaria dentro de mim mesmo.
Gostaria de prolongar-me na importância de tua aparição. Talvez não saibas quanto uma única pessoa pode mudar numa vida. Talvez também não saibas quanto um olhar diz; um desafio apaixona; um sorriso acende centelhas de sentimentos tão fortes, tão fortes que assustam, mas são muito bons e satisfatórios.
Quando chegaste, meus olhos se arregalaram! Logo se agarraram em ti, como meus pensamentos. Insisto que ficas mais irresistível ainda, ao vento.
Preto te cai muito bem, assim como azul e rosa também. Usavas preto, que me lembro. Como poderia me esquecer, em verdade! És tão bela, tão bela! Enfim, usavas preto, como aquele céu de noite de inverno e, bem, mesmo havendo milhares de estrelas, todas elas juntas não brilhavam mais que teu sorriso. A Lua, que se bem me lembro ainda era crescente, pobre, quase não chegou a ser cheia.
Sabe, se continuar eu falando sobre ti, suponho ser infinito. Acho melhor, então, te dizer uma coisa importante, que realmente me aperta o coração, ou melhor, o aquece.
Quero que tenhas toda a ciência do quão bem você me faz. Jure-me que tu te lembrarás disso, seja como forem as coisas, Ayenet.

Augusto Môro

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

tu...

Aí Tay, dedicado a ti!

Tu...

Acontece que nada mais de normal nesta vida navega; é levado leve nos lábios da sanidade, que anda correndo às pressas, por característica confusão que cada cadente momento de insanidade causa. Os pecados perdoados ou punidos pouco parecem aparecer, já que o êxtase que exala daquelas atitudes emocionaria Deus em pessoa; faria que o Diabo rezasse o Credo, que Cupido cortasse suas flechas com um cutelo, que o monte Olimpo ou o Limbo, que os Céus ou os Infernos, seja quem fosse, ajoelhasse!
Diz-se por aí que a maior beleza está na inocência; pois, pobre inocênciazinha, ajoelha-se! Pois contesto, grito em qualquer dos tribunais mais tribulantes, trovejantes e penedos deste mundo, desacato deuses, doutores, duques, mas tenho certeza absoluta de que a beleza mais sublime só se encontra em teu rosto, rubro assim, belíssima, riquíssima, amorosa senhorita. Tanto que se não se ajoelhassem todos diante o furor dos teus atos, ajoelhar-se-iam à tua beleza, garanto.
A primavera que se aproxima, cintilante celofane celeste cor de cetim, alva como alvejam as almas, pura como precisos passos pueris, a primavera não passa dum tapete vermelho no qual mereces pisar, senhorita. A primavera, pobre, não seria nada sem ti, sua mais bela flor, de flamejantes pétalas flavorizantes e voláteis flor... E que perfume tem esta mais bela flor! Tira-me todo o fôlego como se nunca tivesse havido outro ar em meus pulmões, senão teu perfume, perfumada pele.
Posso parecer padecer de patologias proféticas diante vossos olhos, mas sou somente semelhante a um ser sem sensatez, mas satisfeito de sentimentos certos. Sem medo de sonhar – o mais importante – sou.
Também posso parecer praticamente perdido em meus próprios pensamentos. Pois perceba que perceberas certo. Perdido estou nesta paliçada que não posso cruzar em minha cabeça, neste fiar de fios finos como facas afiadas, neste fiar de fios finos como bigodes de felinos, neste fiar... Infinito.
Só que tu inspiras-me a viver como nunca nada me inspirou.
Tu.
Todas as palavras deste mundo, todas tivessem a mesma força que este “tu” tem! Todas as palavras tivessem essa força, ainda passariam longe, passariam longe do poder sublime do palpitar de teu peito!
E te imploro. Sejas piedosa. Mesmo que fosse o melhor dos poetas, o melhor dos escritores, o melhor dos pintores, dos escultores, dos fotógrafos, dos músicos – fosse eu quem fosse – nada, mas nada, e quando digo nada, quero dizer mesmo nada, chega próximo de capturar o timbrar da tua voz, ou o brilhar de teus olhos, ou a alvura de tua pele, ou o sabor de teus lábios; nada! Por isso me esforço!
Esforço-me, pois nada até hoje que me houve se compara a ti.
Nada, e quando digo nada, quero dizer mesmo nada; nada houve que se compare a ti até hoje, justificado assim meu júbilo aparentemente súbito e exagerado.
De repente não há nada mais que viver além de ti, mais bela flor.
E há mais!
Esforço-me para não enlouquecer de vez diante este amor...


Augusto Môro

domingo, 19 de julho de 2009

sobre a mente de salie

o terceiro, da "série"

Sobre a mente de Salie

– Se estou feliz? Pois bem suponho ser isto felicidade; pensou. Era talvez a milésima vez que refletia sobre essa pergunta de Leaf. Não sabia o por quê, mas lhe soava tão pura como o amor.
Ótimo, era mesmo então amor que havia entre os dois. Em verdade ele já morria e se alcoolizava por ela. Salie não sabia se fugia ou se trancava todas as portas, mas certamente já participava muito da sua vida, o rapaz. Aos poucos ela reparava que não era felicidade.
Vê-se aí uma diferença: A Leaf o desalento veio como uma pedrada – já não aguentava olhar para tudo da vida e ver a alma de Salie. Ela presenciava uma dor constante, cinza e chuvosa, quase a anestesiando. Mas pouco importa-nos como houve, visto que era recíproca, numa maluquice, a dor.
– Feliz... Já o fui. Suponho agora não sê-lo mais. Melhor ser sincera comigo mesma. Estou é conformada com sua ausência, seu monstro! Salie berrava, uma pena que o rapaz não a ouvia; se ouvisse morreria por tristeza. Ou pelo ódio que adquiriu por si mesmo. Ou por ambos. Uma pena, pois deveria ouvi-la, não porque morreria, mas porque deveria sentir as chibatadas do pranto da pessoa amada na pele. Ou no coração. Ou em ambos.
E o raciocínio da senhorita continuava: Por que tinhas de ser tão belo? E tão estúpido? Ah, Lea, por quê? Minhas lágrimas pesam mais que o teu caráter!
Oh, quase me esqueci, bom leitor: houve um grande ontem quando o rapaz bebia no bar do pai da amada, com uma pequena esperança em vê-la. Mas a bebida foi tanta junto da espera, e o dinheiro tão pouco, que a noite acabou com o bar destruído e o pai espancado. Esse é o motivo de Salie não tocar no nome de Leaf sem embrulhos no estômago. O motivo d’eles acabarem o relacionamento dias antes foi outro, aconteceu numa manhã, mas foi como se não tivesse acontecido, visto a proporção do fato ocorrido no bar.
Ela pensava e pensava. Ele só se embriagara pois estava sem ela. E bebera ao ponto de atrocidades pela dor que sua ausência provocava. Ele a amava, loucamente. E destruía tudo a sua volta que cheirasse a Salie, que não suportava mais sentir a alma dela em tudo!
– Desculpá-lo? Seria impossível. Perdoá-lo? Quase inimaginável. Mas ela sabia o quanto doía ficarem separados. Mas ele era repugnante. Ou tornou-se repugnante, com uma habilidade impressionante para isso.
– Aliás, inimaginável é ficarmos separados! Monstro! Se soubesses do que há em minha em minha cabeça! Se eu mesma soubesse o que há em minha mente!
Bem, nem sei muito bem o que dizer sobre o que se passa na mente de Salie. Entendemos todos, o que acontece... O problema é decidir: viver com o homem que espancou uma vez seu pai, ou viver sem vida. Ou nem viver.
Suponho uma dificuldade tremenda em perdoar tal ato, se é que para ele há perdão. Talvez o leitor discorde, mas o amor tem uma estranha característica de manusear todo ego para que não exista. Aliás, o sonho da senhorita nesta noite foi muito curioso. Sonhou que casava com um vestido de noiva vermelho, num campo florido. As alianças em ouro, os nomes escritos dentro, fora detalhes em ouro branco, uma música tocada por violinos que se moviam sozinhos. Só que não havia sacerdote algum no altar, ou platéia alguma assistindo...
Só ela e Leaf. E também uma garotinha morena, bela como o sol que nasce, segurando a almofada das alianças.

Augusto Môro

preguiça

Preguiça

Viver nessa preguiça
que
preguiça
que talvez
tirará meu sono por pura
preguiça
de dormir.

Nesta manhã
o sol
nem nasceu por
preguiça
perdeu horas
apareceu só no almoço pra requentar quem dormia um pouco
por
preguiça
aquela que dá depois de comer.

Falta comida mas
de sobra
tem
preguiça
preguiça tem
de sobra
dinheiro falta também.

mas isso não é
nada.

Tem na gente
muita
preguiça
sabe de
resolver os problemas
da vida

mas isso não é
nada.

É
assim
açiugerp
ret ed açiugerp ret ed
açiugerpreguiça
de ter preguiça de ter
preguiça
Isso sim é problema pra toda uma vida!

Augusto Môro

terça-feira, 16 de junho de 2009

à luz da lua sentamos...

À Luz da Lua sentamos...

À Luz da Lua sentamos
na relva seca do rio.

Fervendo a alma no frio
daquela Noite sem panos
rolando aos Beijos nos ramos
gozamos quente Arrepio.

Etéreo e Alvo e Macio
sem medo nós nos tocamos
e o Corpo nosso enrolamos
tremendo num Calafrio.

Na relva seca do rio
à Luz da Lua Amamos.


Augusto Môro

segunda-feira, 18 de maio de 2009

os amantes em cima da árvore

Os Amantes em Cima da Árvore

É o caso dos amantes em cima
da mais alt'árvore, se olhando e amando
e as brumas belas brancas flutuando
que fazem do momento um'obra prima.

A divina beleza dela anima
quando os beijos quentes no vento brando
desses lábios doces vão se encontrando
os sonhos que ele todos imagina.

E a lua cheia bela brilha menos
que os cintilantes olhos em furor
desse par abençoado por Vênus.

Alto n'árvore sentem o sabor
à noite, à lua, aos rubores, ingênuos
felizes do mais livre e puro amor.


Augusto Môro

segunda-feira, 20 de abril de 2009

o vômito do desabafo

Bons amigos, gostaria rapidamente de explicar: eu tenho um projeto um pouco maior. Envolve o conto aqui apresentado - 'bout Salie, ou Sobre Salie. Quero transformá-lo n'algo maior. Assim, escrevo já mais e desenvolvo a história. Saibam que o nome do rapaz que se barbeava era Leaf, e a senhorita que ele tanto amava, Salie. A história conta com um narrador em 3ªpessoa onisciente, mas aqui, é Leaf quem fala. Continuemos, enfim.

O Vômito do Desabafo – A Vida Pós-Salie.
By, himself, Leaf.

O que há, em verdade, não se sabe. Não é mui possível entender o por quê de estarmos assim, separados. Só de pensar, certamente, quase devolvo toda a janta à mesa. O peso que sustento sobre minhas costas é demais. Não é um peso para se carregar sozinho.
Imagino, com pouca mentira, saber o que houve entre nós. Explicarei; mas fique avisado que pode provocar desgostos.
Foi – é, pois não fácil morrerá – um amor absurdo. Tão belo que difícil de lidar. Dói-m’o coração estar dela separado. Mas falemos sobre o passado.
Um conturbadíssimo. Muito que errei; ela, pouco que perdoou. Faltou-nos carinho...
Bem errei, e insisti no erro, nos erros. Ouvi mais os outros que meu ego. Comprei uma tristeza e insatisfação que não deveriam de haver. Deveria de haver só nós dois, e nada mais.
A ela, faltou descanso, que me confiasse mais e mais. Faltou ler no meu sorriso o amor que só por ela sinto. Faltou, talvez, aceitar que sou demasiado hiper-caótico-pessimista. Ou, não houve nela pulso para dizer: “Pára. É de hora de encerrarmos essa porcaria.”
É, pobremente problemático. Eu sempre signifiquei o começo e o fim. Sempre signifiquei o controle, mas não sei controlar. Não gosto de controlar.
E ela, sempre, significou tudo – e nada. Minha Musa, era ela o porquê de eu estar vivo. Mas eu nunca admiti que vivia por ela. Aliás, sempre procurei me encontrar nela. Mas eu nunca admiti que estou em mim mesmo. Agora, diabos, encontro-me ao olhar-me no espelho.
Só que encontro metade, diabos! Metade.
Ela já não se encontra, bem, já não se encontra ao meu lado, completando-me. Gostaria mesmo de refazer o passado. Diabos, pobre de mim. Ou pobre de nós dois. Não é possível refazer nada nest’vida.
Há muito que eu disse a ela que engoliria, ao invés de ter dito. Há muito que eu gostaria de ter feito melhor. Aliás, gostaria de ter feito perfeito. Como esta dor, perfeita, que me perfur’o coração que me esgana, que me dá ânsias, que me perfura o coração, a pior das dores, perfeita saudade.
Oh, diabos, como eu a amo. Acho que sou menos que nada, neste momento. Ou preferia ser eu nada, do que esta metade que sou, mal-metade, porca-metade, metade-vazia-metade.
Houve um grande momento em que menti para mim. Menti, feiamente, menti que a odiava. Em verdade, amo-a. Há nada nesta vida que prendeu tanto de mim, por tanto tempo.
E acho importante dizer que, ontem, só a embriaguez do muito álcool que me curou. Descobri que vim bebendo mais e mais, bebendo pois assim desejaria outra mulher, exceto ela. Bêbedo, ao menos, a dor que sinto se camufla, perde-se em esquecimento.
Mas de que adianta desejar outra mulher, procurando nela somente uma? Uma que sei onde está, mas não sei como está, que sei como é, mas que amo.
E estou de ti separado por puro medo. Medo dos teus olhos, de tua reprova, de tua ordem a mim dada, de ir mesmo embora de tua vida. Oh, Salie, como te amo. Se houvesse algo que eu pudesse ter, seria teu amor. De volta.

Augusto Môro

terça-feira, 14 de abril de 2009

quem é?

Quem é?

I
Absurda é mesmo a necessidade
a força que há em todos
nós
de nos definirmos nós.

II
Acordar de manhã e não saber quem é
no espelho
mesmo sendo a mesma face, é a mesma
cara de ontem de manhã, é a mesma
coisa pelos dias
todos nossos dias
todos nossos problemas
todos nossos conflitos
e as felicidades?

Nada se sabe sobre felicidades nesta terra
nada se sabe
sobre saber nesta terra.
Nada se sabe sobre
sorrir
ou pouco se sabe.
Não pouco
muito pouco.

Nada nesta vida, nada
é como uma violeta rochinha
contemplando
da janela,
contemplando o dia que nasce.
Deveria de ser dessa fotossíntese nosso ser.
E coisas transformar
as coisas
mutá-las todas coisas boas
coisas nossas
já ao nascer do dia.

III
Nasce logo dia
nasce
que é ao menos certeza
um descanso par'o coração.

Augusto Môro

quarta-feira, 8 de abril de 2009

sorrisos

Sorrisos

O maior problema, simples e brilhante, consistia na promessa feita. Não promessa, mas foi dito, colocado com certo tom levemente árduo, quase verde, de felicidade. Disse que não faria, não escreveria uma simples linha.
Disse também para si mesmo, meses antes, que não mais se apaixonaria. Duas – ótimo – parecia um bom dia para quebra de promessas. Era uma tarde estranha, no mínimo. Mas ele escrevia para sua amada.
Medo; sim, aterrador. Medo do fim, medo do erro. Da mudança. Tinha forma de gigante Adamastor, que guardava os mares, que bradava maldições contra a esquadra desbravadora; mas até o gigante bruto e penedo amou, e mesmo após enganado muito desejava sua amada ninfa. Talvez houvesse até naquele medo, talvez houvesse, algo que dava forças para essa pobre alma. Não, era pior o que ali havia. Não; muito pior o era. Não vinha do medo, era esperança. Diabos, superara seu pessimismo? Pobre; entregava-se aos poucos. Mal percebera o sentimento, mas era super-humano resistir. Pobre, não mesmo que resistiria.
Esperança, sentia que poderia dar certo. Estranho, difícil. Mas podia. Fosse infinito ou cinco minutos, mas certamente havia decidido que ia tentar pela sua vida p'ra que desse certo. Mataria Adamastor com suas próprias mãos, se ele não se deitasse ao mar pela tristeza de sua história e sua própria vontade. Mas a luta consigo mesmo era grande.
Certamente era quase indigno; seria cego, deficiente, faltoso com a mente quem ao menos por pouco não se caísse de delírios pela senhorita. Perdoe-me, leitor, o Romantismo – que está mais pra Realismo visto de quem falamos. Eu, caro amigo, poderia aqui formatar o mais perfeito soneto, mas fosse Simbolista ou Parnasiano, fosse o que fosse, nada se compararia àquela beleza, e nada, mesmo que pense por vidas, nada nesta terra superaria aquele sorriso. Nunca um rir de ser vivo atingiu tão perfeito estado. Era brilhante.
Havia algo naquela tarde; um vento de inverno, seco e frio, no meio de tudo, em plena primavera. Entre a copa das árvores, entre as vidas que se desencontravam, nos cantos desta sala, frio de inverno. Soprou um vento, congelando até o mais terno sentimento, ou apaixonado coração.
Pois saibas, leitor, que tal fenômeno, na mais bela das estações, cintilante da ternura das flores, orvalhada pelos amantes, tal fenômeno nada mais seria que a morbidez do cessar do mais belo sorriso, ou o ódio de Perséfone.
Fosse a raiva da deusa. Preferia-se que fosse um ódio etéreo, um desdém divino pela humanidade; mas não, não o era. Não, não era divino; mas fosse...
Oh, fosse! Mas era o cessar. E trazia junto de si uma tristeza ríspida o bastante para desgostar a primavera. Uma tristeza cruel que arrancou lágrimas salgadas de olhos cor-de-mel. Não – fosse divino! – mas por tudo aquele sorrir não deveria de entristecer-se. Quem entende Tyche?
“E o rapaz caindo de amores?” deves pensar. Calma. Veja que eram enamorados os dois já um pouco. Um rapaz normal e uma senhorita inexplicável, indefinível em suas qualidades e belezas. Mas não estamos aqui para discutir essas pieguices de amor, ou o por quê de juntarem-se. O rapaz era uma crise de medos e inseguranças; e sua querida estava em talvez pior situação. Acho um tanto desnecessário expôr aqui todos os problemas que haviam; só parta do pressuposto de que era perto de um caos, o momento.
Ah, esperança – não há quem a detenha! – a fúria de Perséfone teria sido melhor.
O que sucedeu-se: o pobre manuscreveu uma carta, não muito extensa. Só explicava suas aflições, e explicava que a amava. Ou que ao menos começava a amá-la. Pedia também uma resposta imediata – pobre, quanto medo nele havia – pessoalmente, por recado, telefonema, não importava.
A menina estava lá com mais que resolver, eram coisas dos estudos, outras de família, talvez encontrasse também seu coração um pouco inquieto pelo que começava. Tinha também de receber um amigo que vinha visitá-la, e era um caos. Derrubara, no café da manhã, chá por toda sua roupa, e teve de retrocar-se toda, logo à manhã, além de lidar com não poucas reclamações da mãe pelo estrago à mesa. Diabos, pensou.
E a carta chegou àquelas belas mãos nesse exato momento de furor e milhares de coisas a resolver. Não havia nome na carta – pobre, realmente estava demasiado nervoso –, era só um papel dobrado. Desta forma desferiu a senhorita minúscula atenção ao manuscrito. Leu-o enquanto ia analisando um texto para sua faculdade. A linha da resposta imediata passou desapercebida.
Pragas do destino. Se é que existe este mesmo. Eu, sinceramente, não acredito muito. E defendo aqui a integridade da moça, visto que ela nada fez de premeditado, nem queria mal o rapaz. Foi mesmo uma coincidência. Se bem que eu também não muito acredito em coincidências. Acho singelo e efêmero demais esse acaso que nos traz momentos ora perfeitos, ora desastrosos. Mas deixemos assim ser. Pois se eu, nem em destino, nem em coincidências acredito, ficarei a sua vista um estranho, que nem imagina como a vida acontece. Não gostaria que pensasse isso de mim, leitor. Mesmo ainda que acredito que todos nós fazemos nossos dias, sem destino ou coincidências. Mas, justo especificar aqui, nem eu sei explicar que as vezes a vida nos coloca no caminho certo sozinha.
A carta foi realmente um tanto esquecida; assim também ficou sentindo o rapaz. Passaram mais alguns dias de caos, mas veio finalmente a calmaria na vida de nossa musa: pôde ela assim pensar com mais calma, refletir sobre o que acontecia. Logo reparou que não via-o há dias.
Encontraram-se horas depois, e pode a primavera voltar ao seu digno ritmo normal. Resolveu-se o mal-entendido, não fácil, mas também não difícil. Sobre este amor ainda pouco sei, é bastante novo. Sobre os acontecimentos que quase acabaram com ele pouco vale comentar.
Mas há, sim, algo que muito vale comentar e dissertar sobre: esse movimento das coisas, que têm uma tendência fugaz de acabarem-se logo de começarem. E também uma tendência de se dificultarem muito, seja no meio, no começo, no fim, no posfácio ou prólogo. Pobre, não do rapaz, mas de todos nós que vivemos nessa vida.
Mas recomendo, se é que tenho poder para recomendar-lhe algo, leitor, que já que vivemos, vivamos bem. Sejamos, no mínimo satisfeitos. É daqui pra frente dar um passo, mas um passo pra frente. Só pra frente. Não que possamos competir com essa vida, diabos, haja destino ou não, mas tem algo que nos controla, tem alguém ou alguma coisa, alguma força que nos controla.
Se me permite mais uma opinião, acho que quem nos controla é o amor.

Augusto Môro

sexta-feira, 3 de abril de 2009

'bout salie

Sobre Salie

Bem se lembrava; era impossível que esquecesse. Ainda mais se barbeando, olhando a si mesmo de perto, no espelho. A cicatriz que n’alma suprimia cintilava carmim em seus olhos e a navalha alisava sua pele. Mas a cada cingir da lâmina mais uma ferida lhe era aberta: não na carne, no vazio de seu interior.
Os pensamentos corriam-lhe a mente: seria mais fácil se tudo acabasse logo. A lentidão dessa fugaz vida somente o fazia mais e mais ansioso; aos poucos, entorpecido. Amava Salie.
Mas não o puro amor, nem a vibrante paixão. Queria-a ao seu lado, custasse sua própria vida – que tinha ele pouco apreço – custasse a de outros. Era demasiado profano? Amar? Querê-la para si? Destituir-se-ía desse amor o mais rápido possível. Refletiu na decisão, se correta ou inteiramente errada, enquanto limpava sua navalha, preparando outro corte, alisando na toalha o pouco da espuma que retirara.
Absorto, assustara-se profundamente quando brotou de seu rosto uma viela rubra, escorrendo-lhe de suas hemáceas; viu-se tremer. Agora teve, pois, medo de sucumbir? Era Salie. Se havia algo nesta caótica existência que o prendesse – não houvesse nada! – mas Salie brilhava. E esse estalo, junto do desejo de ver se livre daquele tão esperado sentimento, eram como marteladas em seus joelhos... Acomodou sua navalha na pia e recostara-se, logo, sentou-se.
Lembrara de um amigo, que algum dia lhe disse, enquanto andavam, que aquela senhorita não devia se tornar o desejo mor de suas ambições; e que se apaixonando ele teria problemas. Mesmo o temperamento de Salie sendo um tanto difícil, isso não diminuía suas qualidades. Aliás, acho que somente um ato execrável, sujo, asqueroso, retiraria algum mérito dela.
Fosse somente linda, e como era linda! Mas era lúcida como a lua nova, bela como a lua crescente, cintilante como a lua cheia e frígida como a minguante. A eloqüência com que falava ganhava olhares, e ouvidos. Atentos às suas palavras, os sorrisos esboçados por dentre os argumentos convenciam. Aliás, cada sorriso uma jóia, ou o melhor doce da melhor doçaria. Quem tocava àqueles lábios logo se via implorando, suplicando que acontecesse de novo. Não era uma deusa, pois não havia nela a leveza do etéreo, mas também não lhe havia o peso humano. Ela era mesmo... Quase incompreensível.
Ele sentia, ou melhor, doía-se por não entender os acontecimentos que sucederam na manhã daquele dia. Perdera sua melhor oportunidade? Mas ela necessitava de si mesma, não mais dele. Seria tão perfeita ao ponto de completar-se sozinha? Sentia-se ele tão completo ao lado dela. Era recíproco? Sim era, mas ele nem imaginava. Salie era muito, mas muito esperta. E dominava seus próprios atos, não demonstrando exatamente, mas insinuando, sugerindo, deliciando-se com o jogo.
Mas Salie precisava respirar. Precisava tratar-se. Precisava do ar puro da solidão, não do transtornado ar rarefeito do amor. Essa poluição por vezes a incomodava. Não adiantava, ele tinha de recompor-se, superar-se. Ela tinha de respirar.
Recompôs-se, e voltou ao pedante ofício, barbeando-se, lamentando-se, temendo por nunca mais tê-la nos braços.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

era o que me fazia tremer ao mundo

Era o que me fazia tremer ao mundo...

Era o que me fazia tremer ao mundo;
fazia tropeçar os passos; saudosa
saudade, avassaladora, impiedosa,
por não ter teus lábios por um segundo.

E neste teu olhar brilhando profundo
que atiras a mim, num gesto, manhosa,
aonde mergulho o mais fundo que possa,
vejo-me da felicidade junto.

Desse teu cheiro o cômodo repleto,
me delicio na tua pele magnífica;
um murmúrio, um sorriso secreto.

Posto que “eu” verdadeiro significa,
de certo existo; mas só sou completo
pois este amor em mim se ramifica.


Augusto Môro

ps: realmente não é um exímio poema. o ponto é a métrica de decassílabos que arrisquei e o esquema de rima ABBA ABBA CDC DCD.

terça-feira, 31 de março de 2009

suave

Suave


Acordava clara, alva como os lençóis de linho e, – num tilintar de olhos – dentre algum raio de sol que se pôs a espreitá-la de fora, a mais linda e fúlgida face se mostrava frígida e manhosa ao acordar da manhã, com o Sol ainda tímido no horizonte.
Lentamente, dum espreguiçar-se angelical, fez se formar um sorriso, que de tão lindo comoveu o vento que passando soprou-lha os cabelos; e soprou as cortinas, soprou a sua branca roupa de dormir e soprou a grama verde e orvalhada do jardim, um zéfiro, calmo, soprou... E se foi.
Dos sutis passos até a cômoda, ouviram-se seus pequenos pés que tocavam o tapete, e o silêncio do seu andar sutil, tímido e místico fazia a sinfonia pura e simplesmente perfeita, que nem mesmo as fadas, vibrando suas asinhas, conseguiriam compor!
Era mais cativante e gélida com o rosto arrebatado ainda pelo sono, e a roupa lívida que vestia para dormir somente a fazia tornar-se mais almejada.
Ah, se estes mortais olhos a vissem! De certo se derramariam em lágrimas, que logo se tornariam profundas súplicas!
Era de uma beleza incompreensível, intocável...
À cômoda a troca de roupa foi escolhida e enfim nua, entrava para seu banho onde a água quente brilhava multicolor, com o pouco de luz que vazava por dentre o vidro.
Enquanto isso seu corpo era ensaboado, e aos poucos tomava a pele o cheiro das rosas brancas, rosas estas do mais belo vergel. Os cabelos cheios de bolhas de espuma eram cuidadosamente lavados e, antes lisos pelo peso da água, aos poucos voltavam ao seu formato anelado, cacheados de um vórtice entorpecente.
O vapor que já havia tomado conta do lugar deixava ver no espelho somente a silhueta do seu corpo, que as poucos ia secando-se, por uma toalha triste e seca verde-clara, macia de algodão, depois molhada, e feliz.
Pendurou esta ao cabide, vestiu suas roupas, e o vestido creme escolhido – e como este lha caía bem! – era mais arrebatador que o céu cheio de nuvens, com aqueles formatos e riscos, voluptuosas formas do firmamento!
E pouco fez para pentear os cabelos, os fios pareciam saber onde tinham de estar! Colocaram-se todos nos seus lugares... Todos aqueles pequenos e perfeitos cachos, simétricos, simís, pareciam ter sido esculpidos um a um, e colocados de forma a deixar aquele rosto ainda mais lindo...
A última olhada ao espelho... Oh, espelho! Grande sorte, pois podes olhar aquela face de perto, aqueles olhinhos... O Sol já brilhava com mais vontade... E sua luz tocou ao vestido, refletiu-se, talvez com mais força, refletiu e saiu pela janela pela qual entrara...
Era como se o brilho refletisse de todo, mais um brilho – um brilho descomunal – brilhava, e brilhava, do seu interior para fora! De seus sentimentos para seu corpo, de sua alma para seus olhos...
Diante a porta aberta, a luz daquele sorriso já emanava estonteante, e fazia minha vida e a vida de meus olhos mais feliz. Luz e vida pelas quais vivo...
E do lado de dentro do aposento, fica somente a cama desfeita, o som da porta se encaixando, e depois o girar da maçaneta...

Augusto Moro

segunda-feira, 30 de março de 2009

e deveria ter acordado?

E deveria ter acordado?

Acordou-se a menina às três e vinte três da madrugada; perdera o sono, e essa insônia já existia há algumas semanas. Porém nem incomodava tanto. Ou talvez incomodasse. E mais: naquela casa enorme, quem se incomodaria?
Levantou; foi até a cozinha como de costume, e tomou um copo d’água. Sentou-se à mesa das refeições e encostou o queixo sobre os braços cruzados, em cima do vidro gelado. Desejou estar dormindo e fechou os olhos. Abriu-os, e quase jogou sua alma pra fora da cadeira ao reparar que... Ela mesma vinha e tomava o costumeiro copo d’água!
A “outra ela” encarou a situação com mais sossego: olhou-a com certa sonolência, depois se sentou ao seu lado, depositando o copo sobre a mesa; deitando a cabeça por cima do braço direito, este, jogado sobre o vidro. Olharam-se, até que a “outra” quebrou o gelo:

- Sabe que sou você amanhã? Já estarei acostumada a encontrar-me, como hoje, por isso nem me assusto.
- Então quer dizer que ficarei mais uma noite sem dormir?
- Elementar...
- Começo a me casar dessa insônia!
- Sei, sei... Por que não dorme?
- Você fala como se fosse fácil.
- E você como se fosse difícil.

Reparou que era muito estúpido brigar consigo mesma por dois dias seguidos – Se é que isso é possível, amigo leitor – por fim, perguntou a si mesma:

- Vamos assistir a um pouco de televisão?
- Tem certeza? Respondeu a “outra”. Pelo que me lembro não há nada de bom na TV. Assisti ontem, sabe?
- Vamos! Assista de novo! Você quem “veio” para o “passado”, eu ainda estou no presente!

Enfim, caminharam em silêncio pela mansão até chegarem ao televisor da sala, e acomodarem-se nos sofás.

- O filme do canal dois é horrível, e no canal três são só propagandas, resmungou a “outra”.
- Poxa! Você quer parar com isso? Tem mais alguma coisa do meu dia que você queira me contar?
- É verdade! Cuidado ao sair...
- Pare! Interrompeu a garota. Eu estava sendo irônica!
- Ah... Desculpe-me.

Foi birrenta o bastante para deixar no filme do canal dois. Mas este era tão chato, tão chato, que a menina acabou por adormecer. Acordou quando faltavam uns vinte minutos para o sinal de entrada da escola.
Tomou banho e trocou-se o mais rápido possível, e correu para a mesa, para o café da manhã. Sentou-se à mesa, havia salada de frutas para o desjejum. Encontrou novamente consigo mesma.

- Cuidado com a hora...
- Tenho tudo calculado! Tenho ainda... Nossa! Cinco minutos?

Voou porta afora, esbaforida, escorregou numa casca de banana, proveniente dos restos do preparo do café da manhã.
Escorregou, e tomou o maior tombo da sua vida. Caiu tanto, que faltou à aula por uns dias. E continuaria a ter insônias. Mas não a encontrar-se. Havia desistido de si mesma, por uns dias.
Tem épocas que nem você poderia se salvar de si mesmo.

quinta-feira, 26 de março de 2009

sem barco

Sem Barco

Não se ouvia mais que o arrastar do peso do seu corpo por cima da areia; isso que andava lento e baixo. Pouco ruído fazia a água do rio, isso que era cheia, tinha chovido uma semana inteira. Um dia calmo e quente de verão.
Andava, andava. Já há dia que andava. A família tinha ficado, gente demais pra andar. Andou, então, sozinho. Não sozinho de vez, pois tinha esperança.
A fazenda havia sido arrendada por um canavieiro – era trabalhar na cana ou ir embora. Não tinha mulher, nem filhos; Não tinha porquê ficar. Foi-se logo de uma vez, tentar uma vida decente.
Decisão difícil, mas foi-se. A mãe amassou pão, colocou na sacola junto da troca de roupa, chorou. O pai deu abraço, e uma medalhinha de ouro em forma de figa, p'ra sorte.
Saiu bem cedo, andou por um dia, comeu, dormiu, comeu, e vinha andando de novo já fazia sol. Aí só o barulhinho baixo do rio, e o arrastar do corpo.
Foi só quando sento a margem que lhe passou pela cabeça que teria de atravessar toda aquela água – mas não tinha barco algum.
Diabos, o rio! De verão, cheio, engolfando o horizonte num verde-marrom molhado. Um molho misto de desilusão e beleza. Era agora dia-e-meio de andar de volta, só que sem pão; havia uma vila do outro lado, mas do outro lado. Tinha uma vida do outro lado, mas do outro lado. E não adiantava lágrima que corresse, par'o rio era uma gotícula de nada, tinha mais água com que se importar.
Ou podia nadar! Ou fazer um barco... É aquela arvorezinha ali. Mas até derrubar e talhar, oras vai dia... Era nadar ou voltar.
Colocou uma pedra na bolsa, girou e soltou com toda a força. Faltou ali metro para vencer meio rio. Era pulo alto de se conquistar. A correnteza não era leão de brava, mas não ajudaria na travessia.
Matutou mais minuto, ia nadar. Era só ir aos poucos, não afobar por besteira, ir dando as braçadas lentas, poupando energias. E atirou-se no rio.
É pena, leitor; uns dizem que um barco pescador achou o corpo. Já ouvi dizer que morreu e sumiu na foz. Outro disse que pouco nadou e voltou, morreu mesmo em casa, de tanto trabalhar na cana.
Mas tem quem acredite que chegamos lá. Que cruzamos o rio, com nossas forças, que vencemos, que abraçamos a margem do outro lado, arfando, cuspindo água, mas felizes. Absurdamente decompostos de cansaço, mas realizados. Mas felizes, chorando no rio, renascidos, vendo o brilho do sol, e o rumor baixo das águas da vida.

Augusto Môro

quarta-feira, 25 de março de 2009

faremos

é um dos meus preferidos.

Faremos

O vento que soprava beijou a face do estudante, fazendo-o respirar e refletir por um momento. Deixando os livros de lado prostrou-se à janela e perplexo, quase insone, fixou um olhar cansado de outono no Ipê rosa de primavera, plantado à rua, que sombreava seu quarto.

– Que cores perdeste do olhar? - indagou a árvore.
– Todas – Balbuciou o estudante.
– E por onde perdeu-as?
– Pelos olhos cintilantes de minha amada. - A amargura de sua voz era quase palpável, e cheirava à baunilha e limão.
– O amor é perverso, patético e cruel. Veja como rouba tua vida: se esvai como pó de diamante aos ventos do deserto, perdendo-se eternamente. Se esvai de ti, por um buraco no coração.
– Exageras; o amor não destrói ou rouba vidas... - desconversou o estudante.
– Se não, fá-las cegas e mesquinhas. - irrompeu o Ipê - Descobrir-se amando é precipitar-se ao mar. A um mar feio, escuro, e que não te queres nele.
– E a beleza?
– A beleza confunde-se à agradabilidade. Veja o canto deste rouxinol; tão belo que faria uma rosa escarlate desabrochar do cerne de um carvalho petrificado. Tu dirias que ele é agradável, e não belo; mas olharias a rosa, que te machucarias se a tocasse, que nascera de um tronco morto, que certamente murchará e diria: “Oh, como é bela!”.
– Assim as vezes acontece com o amor, ou com a paixão. - Tentou o estudante.
– Ou com os tolos. Mas com uma diferença, nos dois primeiros casos: a rosa nasceu de um carvalho morto, e o amor ou a paixão matariam qualquer carvalho tão novo quanto a aurora, ou tão velho quanto a Lua.
– Por que atacas tanto o pobre amor? - derrubando uma lágrima salgada - Eu que fui ferido e rejeitado, eu, que beijei o fundo do poço por outra alma, não o faço, temente seu poder. Como o fazes com tão pouco caso?
– Oh, já vários amores começaram e acabaram debaixo de minha copa. Inúmeras de minhas flores sucumbiram pelos caprichos de uma dama, ou pela lapela de um namorado. Sucumbiram num bouquet de arrependimento, ou na sarjeta da rejeição. Muitos sinais dessas paixões ficaram gravadas no meu súber, envoltas em um coração – já trespassado por uma flecha.

O vento ramalhou, e como um choro ouvia-se as folhas salpicando umas as outras, dando movimento a pobre e bela, inteira florida, árvore.

– Falaria por uma vida dos erros do amor... - retomou o Ipê - … Mas não chores. Não há pouco na vida, mas também não há muito. Vá e ame novamente. Sacrifique mais uma dúzia de flores, raspe meu caule, derrame lágrimas e suspiros debaixo de minha copa. Plante outro carvalho, sacrifique-o ao ocaso. Sinta-se tolo, enganado e triste.
– Não! - exaltava-se o estudante - Por que o farias? Não há beleza, nem sorriso que justifique precipitar-se em mares, ou flores na sarjeta, ou matar rouxinóis; haveria um por quê do amor? Seria químico? Físico? Não! Juro que não me apaixonarei nunca mais! Não mais o farei!
– Mas o farás.

Augusto Môro

terça-feira, 24 de março de 2009

it's the beggining - O Caso

Sim, o começo do meu blog. Ele existe pelo simples desejo meu de expor alguns dos textos que fiz. Sim, todos de minha autoria!

Assim, dou minha cara a tapa. Realmente quero críticas, quero pronuciamentos.

Isso se alguém ler.

E como primeiro:

O Caso

Ora, bobeira; adianta chorar?
Pára.
Só pois perdeu-se tudo?
Perdera-se mas...
Esqueci;
perderá-se; há muito chorando e mais que chorar. Exagero.

Ganha-se uma rua
de feridas e a barba por fazer, calvice.
Nem é tanto assim o ego
esburacado quanto a conta no banco
e na farmácia
e no mercado.
Mas têm a água e a luz
até cortarem.

Vamos
enxuga o olhar e sem gosto come da vida.
Engorda que não há como requentar, rápido
se esfria é um deus dará de bang-bang.
Só não queime que precisa
da boca para repetir.

Pára o choro e lava a face.
Volta para o começo
do fim
do dia.

Até amanhã.

Augusto Moro