quarta-feira, 25 de março de 2009

faremos

é um dos meus preferidos.

Faremos

O vento que soprava beijou a face do estudante, fazendo-o respirar e refletir por um momento. Deixando os livros de lado prostrou-se à janela e perplexo, quase insone, fixou um olhar cansado de outono no Ipê rosa de primavera, plantado à rua, que sombreava seu quarto.

– Que cores perdeste do olhar? - indagou a árvore.
– Todas – Balbuciou o estudante.
– E por onde perdeu-as?
– Pelos olhos cintilantes de minha amada. - A amargura de sua voz era quase palpável, e cheirava à baunilha e limão.
– O amor é perverso, patético e cruel. Veja como rouba tua vida: se esvai como pó de diamante aos ventos do deserto, perdendo-se eternamente. Se esvai de ti, por um buraco no coração.
– Exageras; o amor não destrói ou rouba vidas... - desconversou o estudante.
– Se não, fá-las cegas e mesquinhas. - irrompeu o Ipê - Descobrir-se amando é precipitar-se ao mar. A um mar feio, escuro, e que não te queres nele.
– E a beleza?
– A beleza confunde-se à agradabilidade. Veja o canto deste rouxinol; tão belo que faria uma rosa escarlate desabrochar do cerne de um carvalho petrificado. Tu dirias que ele é agradável, e não belo; mas olharias a rosa, que te machucarias se a tocasse, que nascera de um tronco morto, que certamente murchará e diria: “Oh, como é bela!”.
– Assim as vezes acontece com o amor, ou com a paixão. - Tentou o estudante.
– Ou com os tolos. Mas com uma diferença, nos dois primeiros casos: a rosa nasceu de um carvalho morto, e o amor ou a paixão matariam qualquer carvalho tão novo quanto a aurora, ou tão velho quanto a Lua.
– Por que atacas tanto o pobre amor? - derrubando uma lágrima salgada - Eu que fui ferido e rejeitado, eu, que beijei o fundo do poço por outra alma, não o faço, temente seu poder. Como o fazes com tão pouco caso?
– Oh, já vários amores começaram e acabaram debaixo de minha copa. Inúmeras de minhas flores sucumbiram pelos caprichos de uma dama, ou pela lapela de um namorado. Sucumbiram num bouquet de arrependimento, ou na sarjeta da rejeição. Muitos sinais dessas paixões ficaram gravadas no meu súber, envoltas em um coração – já trespassado por uma flecha.

O vento ramalhou, e como um choro ouvia-se as folhas salpicando umas as outras, dando movimento a pobre e bela, inteira florida, árvore.

– Falaria por uma vida dos erros do amor... - retomou o Ipê - … Mas não chores. Não há pouco na vida, mas também não há muito. Vá e ame novamente. Sacrifique mais uma dúzia de flores, raspe meu caule, derrame lágrimas e suspiros debaixo de minha copa. Plante outro carvalho, sacrifique-o ao ocaso. Sinta-se tolo, enganado e triste.
– Não! - exaltava-se o estudante - Por que o farias? Não há beleza, nem sorriso que justifique precipitar-se em mares, ou flores na sarjeta, ou matar rouxinóis; haveria um por quê do amor? Seria químico? Físico? Não! Juro que não me apaixonarei nunca mais! Não mais o farei!
– Mas o farás.

Augusto Môro

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