segunda-feira, 20 de abril de 2009

o vômito do desabafo

Bons amigos, gostaria rapidamente de explicar: eu tenho um projeto um pouco maior. Envolve o conto aqui apresentado - 'bout Salie, ou Sobre Salie. Quero transformá-lo n'algo maior. Assim, escrevo já mais e desenvolvo a história. Saibam que o nome do rapaz que se barbeava era Leaf, e a senhorita que ele tanto amava, Salie. A história conta com um narrador em 3ªpessoa onisciente, mas aqui, é Leaf quem fala. Continuemos, enfim.

O Vômito do Desabafo – A Vida Pós-Salie.
By, himself, Leaf.

O que há, em verdade, não se sabe. Não é mui possível entender o por quê de estarmos assim, separados. Só de pensar, certamente, quase devolvo toda a janta à mesa. O peso que sustento sobre minhas costas é demais. Não é um peso para se carregar sozinho.
Imagino, com pouca mentira, saber o que houve entre nós. Explicarei; mas fique avisado que pode provocar desgostos.
Foi – é, pois não fácil morrerá – um amor absurdo. Tão belo que difícil de lidar. Dói-m’o coração estar dela separado. Mas falemos sobre o passado.
Um conturbadíssimo. Muito que errei; ela, pouco que perdoou. Faltou-nos carinho...
Bem errei, e insisti no erro, nos erros. Ouvi mais os outros que meu ego. Comprei uma tristeza e insatisfação que não deveriam de haver. Deveria de haver só nós dois, e nada mais.
A ela, faltou descanso, que me confiasse mais e mais. Faltou ler no meu sorriso o amor que só por ela sinto. Faltou, talvez, aceitar que sou demasiado hiper-caótico-pessimista. Ou, não houve nela pulso para dizer: “Pára. É de hora de encerrarmos essa porcaria.”
É, pobremente problemático. Eu sempre signifiquei o começo e o fim. Sempre signifiquei o controle, mas não sei controlar. Não gosto de controlar.
E ela, sempre, significou tudo – e nada. Minha Musa, era ela o porquê de eu estar vivo. Mas eu nunca admiti que vivia por ela. Aliás, sempre procurei me encontrar nela. Mas eu nunca admiti que estou em mim mesmo. Agora, diabos, encontro-me ao olhar-me no espelho.
Só que encontro metade, diabos! Metade.
Ela já não se encontra, bem, já não se encontra ao meu lado, completando-me. Gostaria mesmo de refazer o passado. Diabos, pobre de mim. Ou pobre de nós dois. Não é possível refazer nada nest’vida.
Há muito que eu disse a ela que engoliria, ao invés de ter dito. Há muito que eu gostaria de ter feito melhor. Aliás, gostaria de ter feito perfeito. Como esta dor, perfeita, que me perfur’o coração que me esgana, que me dá ânsias, que me perfura o coração, a pior das dores, perfeita saudade.
Oh, diabos, como eu a amo. Acho que sou menos que nada, neste momento. Ou preferia ser eu nada, do que esta metade que sou, mal-metade, porca-metade, metade-vazia-metade.
Houve um grande momento em que menti para mim. Menti, feiamente, menti que a odiava. Em verdade, amo-a. Há nada nesta vida que prendeu tanto de mim, por tanto tempo.
E acho importante dizer que, ontem, só a embriaguez do muito álcool que me curou. Descobri que vim bebendo mais e mais, bebendo pois assim desejaria outra mulher, exceto ela. Bêbedo, ao menos, a dor que sinto se camufla, perde-se em esquecimento.
Mas de que adianta desejar outra mulher, procurando nela somente uma? Uma que sei onde está, mas não sei como está, que sei como é, mas que amo.
E estou de ti separado por puro medo. Medo dos teus olhos, de tua reprova, de tua ordem a mim dada, de ir mesmo embora de tua vida. Oh, Salie, como te amo. Se houvesse algo que eu pudesse ter, seria teu amor. De volta.

Augusto Môro

terça-feira, 14 de abril de 2009

quem é?

Quem é?

I
Absurda é mesmo a necessidade
a força que há em todos
nós
de nos definirmos nós.

II
Acordar de manhã e não saber quem é
no espelho
mesmo sendo a mesma face, é a mesma
cara de ontem de manhã, é a mesma
coisa pelos dias
todos nossos dias
todos nossos problemas
todos nossos conflitos
e as felicidades?

Nada se sabe sobre felicidades nesta terra
nada se sabe
sobre saber nesta terra.
Nada se sabe sobre
sorrir
ou pouco se sabe.
Não pouco
muito pouco.

Nada nesta vida, nada
é como uma violeta rochinha
contemplando
da janela,
contemplando o dia que nasce.
Deveria de ser dessa fotossíntese nosso ser.
E coisas transformar
as coisas
mutá-las todas coisas boas
coisas nossas
já ao nascer do dia.

III
Nasce logo dia
nasce
que é ao menos certeza
um descanso par'o coração.

Augusto Môro

quarta-feira, 8 de abril de 2009

sorrisos

Sorrisos

O maior problema, simples e brilhante, consistia na promessa feita. Não promessa, mas foi dito, colocado com certo tom levemente árduo, quase verde, de felicidade. Disse que não faria, não escreveria uma simples linha.
Disse também para si mesmo, meses antes, que não mais se apaixonaria. Duas – ótimo – parecia um bom dia para quebra de promessas. Era uma tarde estranha, no mínimo. Mas ele escrevia para sua amada.
Medo; sim, aterrador. Medo do fim, medo do erro. Da mudança. Tinha forma de gigante Adamastor, que guardava os mares, que bradava maldições contra a esquadra desbravadora; mas até o gigante bruto e penedo amou, e mesmo após enganado muito desejava sua amada ninfa. Talvez houvesse até naquele medo, talvez houvesse, algo que dava forças para essa pobre alma. Não, era pior o que ali havia. Não; muito pior o era. Não vinha do medo, era esperança. Diabos, superara seu pessimismo? Pobre; entregava-se aos poucos. Mal percebera o sentimento, mas era super-humano resistir. Pobre, não mesmo que resistiria.
Esperança, sentia que poderia dar certo. Estranho, difícil. Mas podia. Fosse infinito ou cinco minutos, mas certamente havia decidido que ia tentar pela sua vida p'ra que desse certo. Mataria Adamastor com suas próprias mãos, se ele não se deitasse ao mar pela tristeza de sua história e sua própria vontade. Mas a luta consigo mesmo era grande.
Certamente era quase indigno; seria cego, deficiente, faltoso com a mente quem ao menos por pouco não se caísse de delírios pela senhorita. Perdoe-me, leitor, o Romantismo – que está mais pra Realismo visto de quem falamos. Eu, caro amigo, poderia aqui formatar o mais perfeito soneto, mas fosse Simbolista ou Parnasiano, fosse o que fosse, nada se compararia àquela beleza, e nada, mesmo que pense por vidas, nada nesta terra superaria aquele sorriso. Nunca um rir de ser vivo atingiu tão perfeito estado. Era brilhante.
Havia algo naquela tarde; um vento de inverno, seco e frio, no meio de tudo, em plena primavera. Entre a copa das árvores, entre as vidas que se desencontravam, nos cantos desta sala, frio de inverno. Soprou um vento, congelando até o mais terno sentimento, ou apaixonado coração.
Pois saibas, leitor, que tal fenômeno, na mais bela das estações, cintilante da ternura das flores, orvalhada pelos amantes, tal fenômeno nada mais seria que a morbidez do cessar do mais belo sorriso, ou o ódio de Perséfone.
Fosse a raiva da deusa. Preferia-se que fosse um ódio etéreo, um desdém divino pela humanidade; mas não, não o era. Não, não era divino; mas fosse...
Oh, fosse! Mas era o cessar. E trazia junto de si uma tristeza ríspida o bastante para desgostar a primavera. Uma tristeza cruel que arrancou lágrimas salgadas de olhos cor-de-mel. Não – fosse divino! – mas por tudo aquele sorrir não deveria de entristecer-se. Quem entende Tyche?
“E o rapaz caindo de amores?” deves pensar. Calma. Veja que eram enamorados os dois já um pouco. Um rapaz normal e uma senhorita inexplicável, indefinível em suas qualidades e belezas. Mas não estamos aqui para discutir essas pieguices de amor, ou o por quê de juntarem-se. O rapaz era uma crise de medos e inseguranças; e sua querida estava em talvez pior situação. Acho um tanto desnecessário expôr aqui todos os problemas que haviam; só parta do pressuposto de que era perto de um caos, o momento.
Ah, esperança – não há quem a detenha! – a fúria de Perséfone teria sido melhor.
O que sucedeu-se: o pobre manuscreveu uma carta, não muito extensa. Só explicava suas aflições, e explicava que a amava. Ou que ao menos começava a amá-la. Pedia também uma resposta imediata – pobre, quanto medo nele havia – pessoalmente, por recado, telefonema, não importava.
A menina estava lá com mais que resolver, eram coisas dos estudos, outras de família, talvez encontrasse também seu coração um pouco inquieto pelo que começava. Tinha também de receber um amigo que vinha visitá-la, e era um caos. Derrubara, no café da manhã, chá por toda sua roupa, e teve de retrocar-se toda, logo à manhã, além de lidar com não poucas reclamações da mãe pelo estrago à mesa. Diabos, pensou.
E a carta chegou àquelas belas mãos nesse exato momento de furor e milhares de coisas a resolver. Não havia nome na carta – pobre, realmente estava demasiado nervoso –, era só um papel dobrado. Desta forma desferiu a senhorita minúscula atenção ao manuscrito. Leu-o enquanto ia analisando um texto para sua faculdade. A linha da resposta imediata passou desapercebida.
Pragas do destino. Se é que existe este mesmo. Eu, sinceramente, não acredito muito. E defendo aqui a integridade da moça, visto que ela nada fez de premeditado, nem queria mal o rapaz. Foi mesmo uma coincidência. Se bem que eu também não muito acredito em coincidências. Acho singelo e efêmero demais esse acaso que nos traz momentos ora perfeitos, ora desastrosos. Mas deixemos assim ser. Pois se eu, nem em destino, nem em coincidências acredito, ficarei a sua vista um estranho, que nem imagina como a vida acontece. Não gostaria que pensasse isso de mim, leitor. Mesmo ainda que acredito que todos nós fazemos nossos dias, sem destino ou coincidências. Mas, justo especificar aqui, nem eu sei explicar que as vezes a vida nos coloca no caminho certo sozinha.
A carta foi realmente um tanto esquecida; assim também ficou sentindo o rapaz. Passaram mais alguns dias de caos, mas veio finalmente a calmaria na vida de nossa musa: pôde ela assim pensar com mais calma, refletir sobre o que acontecia. Logo reparou que não via-o há dias.
Encontraram-se horas depois, e pode a primavera voltar ao seu digno ritmo normal. Resolveu-se o mal-entendido, não fácil, mas também não difícil. Sobre este amor ainda pouco sei, é bastante novo. Sobre os acontecimentos que quase acabaram com ele pouco vale comentar.
Mas há, sim, algo que muito vale comentar e dissertar sobre: esse movimento das coisas, que têm uma tendência fugaz de acabarem-se logo de começarem. E também uma tendência de se dificultarem muito, seja no meio, no começo, no fim, no posfácio ou prólogo. Pobre, não do rapaz, mas de todos nós que vivemos nessa vida.
Mas recomendo, se é que tenho poder para recomendar-lhe algo, leitor, que já que vivemos, vivamos bem. Sejamos, no mínimo satisfeitos. É daqui pra frente dar um passo, mas um passo pra frente. Só pra frente. Não que possamos competir com essa vida, diabos, haja destino ou não, mas tem algo que nos controla, tem alguém ou alguma coisa, alguma força que nos controla.
Se me permite mais uma opinião, acho que quem nos controla é o amor.

Augusto Môro

sexta-feira, 3 de abril de 2009

'bout salie

Sobre Salie

Bem se lembrava; era impossível que esquecesse. Ainda mais se barbeando, olhando a si mesmo de perto, no espelho. A cicatriz que n’alma suprimia cintilava carmim em seus olhos e a navalha alisava sua pele. Mas a cada cingir da lâmina mais uma ferida lhe era aberta: não na carne, no vazio de seu interior.
Os pensamentos corriam-lhe a mente: seria mais fácil se tudo acabasse logo. A lentidão dessa fugaz vida somente o fazia mais e mais ansioso; aos poucos, entorpecido. Amava Salie.
Mas não o puro amor, nem a vibrante paixão. Queria-a ao seu lado, custasse sua própria vida – que tinha ele pouco apreço – custasse a de outros. Era demasiado profano? Amar? Querê-la para si? Destituir-se-ía desse amor o mais rápido possível. Refletiu na decisão, se correta ou inteiramente errada, enquanto limpava sua navalha, preparando outro corte, alisando na toalha o pouco da espuma que retirara.
Absorto, assustara-se profundamente quando brotou de seu rosto uma viela rubra, escorrendo-lhe de suas hemáceas; viu-se tremer. Agora teve, pois, medo de sucumbir? Era Salie. Se havia algo nesta caótica existência que o prendesse – não houvesse nada! – mas Salie brilhava. E esse estalo, junto do desejo de ver se livre daquele tão esperado sentimento, eram como marteladas em seus joelhos... Acomodou sua navalha na pia e recostara-se, logo, sentou-se.
Lembrara de um amigo, que algum dia lhe disse, enquanto andavam, que aquela senhorita não devia se tornar o desejo mor de suas ambições; e que se apaixonando ele teria problemas. Mesmo o temperamento de Salie sendo um tanto difícil, isso não diminuía suas qualidades. Aliás, acho que somente um ato execrável, sujo, asqueroso, retiraria algum mérito dela.
Fosse somente linda, e como era linda! Mas era lúcida como a lua nova, bela como a lua crescente, cintilante como a lua cheia e frígida como a minguante. A eloqüência com que falava ganhava olhares, e ouvidos. Atentos às suas palavras, os sorrisos esboçados por dentre os argumentos convenciam. Aliás, cada sorriso uma jóia, ou o melhor doce da melhor doçaria. Quem tocava àqueles lábios logo se via implorando, suplicando que acontecesse de novo. Não era uma deusa, pois não havia nela a leveza do etéreo, mas também não lhe havia o peso humano. Ela era mesmo... Quase incompreensível.
Ele sentia, ou melhor, doía-se por não entender os acontecimentos que sucederam na manhã daquele dia. Perdera sua melhor oportunidade? Mas ela necessitava de si mesma, não mais dele. Seria tão perfeita ao ponto de completar-se sozinha? Sentia-se ele tão completo ao lado dela. Era recíproco? Sim era, mas ele nem imaginava. Salie era muito, mas muito esperta. E dominava seus próprios atos, não demonstrando exatamente, mas insinuando, sugerindo, deliciando-se com o jogo.
Mas Salie precisava respirar. Precisava tratar-se. Precisava do ar puro da solidão, não do transtornado ar rarefeito do amor. Essa poluição por vezes a incomodava. Não adiantava, ele tinha de recompor-se, superar-se. Ela tinha de respirar.
Recompôs-se, e voltou ao pedante ofício, barbeando-se, lamentando-se, temendo por nunca mais tê-la nos braços.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

era o que me fazia tremer ao mundo

Era o que me fazia tremer ao mundo...

Era o que me fazia tremer ao mundo;
fazia tropeçar os passos; saudosa
saudade, avassaladora, impiedosa,
por não ter teus lábios por um segundo.

E neste teu olhar brilhando profundo
que atiras a mim, num gesto, manhosa,
aonde mergulho o mais fundo que possa,
vejo-me da felicidade junto.

Desse teu cheiro o cômodo repleto,
me delicio na tua pele magnífica;
um murmúrio, um sorriso secreto.

Posto que “eu” verdadeiro significa,
de certo existo; mas só sou completo
pois este amor em mim se ramifica.


Augusto Môro

ps: realmente não é um exímio poema. o ponto é a métrica de decassílabos que arrisquei e o esquema de rima ABBA ABBA CDC DCD.