quarta-feira, 8 de abril de 2009

sorrisos

Sorrisos

O maior problema, simples e brilhante, consistia na promessa feita. Não promessa, mas foi dito, colocado com certo tom levemente árduo, quase verde, de felicidade. Disse que não faria, não escreveria uma simples linha.
Disse também para si mesmo, meses antes, que não mais se apaixonaria. Duas – ótimo – parecia um bom dia para quebra de promessas. Era uma tarde estranha, no mínimo. Mas ele escrevia para sua amada.
Medo; sim, aterrador. Medo do fim, medo do erro. Da mudança. Tinha forma de gigante Adamastor, que guardava os mares, que bradava maldições contra a esquadra desbravadora; mas até o gigante bruto e penedo amou, e mesmo após enganado muito desejava sua amada ninfa. Talvez houvesse até naquele medo, talvez houvesse, algo que dava forças para essa pobre alma. Não, era pior o que ali havia. Não; muito pior o era. Não vinha do medo, era esperança. Diabos, superara seu pessimismo? Pobre; entregava-se aos poucos. Mal percebera o sentimento, mas era super-humano resistir. Pobre, não mesmo que resistiria.
Esperança, sentia que poderia dar certo. Estranho, difícil. Mas podia. Fosse infinito ou cinco minutos, mas certamente havia decidido que ia tentar pela sua vida p'ra que desse certo. Mataria Adamastor com suas próprias mãos, se ele não se deitasse ao mar pela tristeza de sua história e sua própria vontade. Mas a luta consigo mesmo era grande.
Certamente era quase indigno; seria cego, deficiente, faltoso com a mente quem ao menos por pouco não se caísse de delírios pela senhorita. Perdoe-me, leitor, o Romantismo – que está mais pra Realismo visto de quem falamos. Eu, caro amigo, poderia aqui formatar o mais perfeito soneto, mas fosse Simbolista ou Parnasiano, fosse o que fosse, nada se compararia àquela beleza, e nada, mesmo que pense por vidas, nada nesta terra superaria aquele sorriso. Nunca um rir de ser vivo atingiu tão perfeito estado. Era brilhante.
Havia algo naquela tarde; um vento de inverno, seco e frio, no meio de tudo, em plena primavera. Entre a copa das árvores, entre as vidas que se desencontravam, nos cantos desta sala, frio de inverno. Soprou um vento, congelando até o mais terno sentimento, ou apaixonado coração.
Pois saibas, leitor, que tal fenômeno, na mais bela das estações, cintilante da ternura das flores, orvalhada pelos amantes, tal fenômeno nada mais seria que a morbidez do cessar do mais belo sorriso, ou o ódio de Perséfone.
Fosse a raiva da deusa. Preferia-se que fosse um ódio etéreo, um desdém divino pela humanidade; mas não, não o era. Não, não era divino; mas fosse...
Oh, fosse! Mas era o cessar. E trazia junto de si uma tristeza ríspida o bastante para desgostar a primavera. Uma tristeza cruel que arrancou lágrimas salgadas de olhos cor-de-mel. Não – fosse divino! – mas por tudo aquele sorrir não deveria de entristecer-se. Quem entende Tyche?
“E o rapaz caindo de amores?” deves pensar. Calma. Veja que eram enamorados os dois já um pouco. Um rapaz normal e uma senhorita inexplicável, indefinível em suas qualidades e belezas. Mas não estamos aqui para discutir essas pieguices de amor, ou o por quê de juntarem-se. O rapaz era uma crise de medos e inseguranças; e sua querida estava em talvez pior situação. Acho um tanto desnecessário expôr aqui todos os problemas que haviam; só parta do pressuposto de que era perto de um caos, o momento.
Ah, esperança – não há quem a detenha! – a fúria de Perséfone teria sido melhor.
O que sucedeu-se: o pobre manuscreveu uma carta, não muito extensa. Só explicava suas aflições, e explicava que a amava. Ou que ao menos começava a amá-la. Pedia também uma resposta imediata – pobre, quanto medo nele havia – pessoalmente, por recado, telefonema, não importava.
A menina estava lá com mais que resolver, eram coisas dos estudos, outras de família, talvez encontrasse também seu coração um pouco inquieto pelo que começava. Tinha também de receber um amigo que vinha visitá-la, e era um caos. Derrubara, no café da manhã, chá por toda sua roupa, e teve de retrocar-se toda, logo à manhã, além de lidar com não poucas reclamações da mãe pelo estrago à mesa. Diabos, pensou.
E a carta chegou àquelas belas mãos nesse exato momento de furor e milhares de coisas a resolver. Não havia nome na carta – pobre, realmente estava demasiado nervoso –, era só um papel dobrado. Desta forma desferiu a senhorita minúscula atenção ao manuscrito. Leu-o enquanto ia analisando um texto para sua faculdade. A linha da resposta imediata passou desapercebida.
Pragas do destino. Se é que existe este mesmo. Eu, sinceramente, não acredito muito. E defendo aqui a integridade da moça, visto que ela nada fez de premeditado, nem queria mal o rapaz. Foi mesmo uma coincidência. Se bem que eu também não muito acredito em coincidências. Acho singelo e efêmero demais esse acaso que nos traz momentos ora perfeitos, ora desastrosos. Mas deixemos assim ser. Pois se eu, nem em destino, nem em coincidências acredito, ficarei a sua vista um estranho, que nem imagina como a vida acontece. Não gostaria que pensasse isso de mim, leitor. Mesmo ainda que acredito que todos nós fazemos nossos dias, sem destino ou coincidências. Mas, justo especificar aqui, nem eu sei explicar que as vezes a vida nos coloca no caminho certo sozinha.
A carta foi realmente um tanto esquecida; assim também ficou sentindo o rapaz. Passaram mais alguns dias de caos, mas veio finalmente a calmaria na vida de nossa musa: pôde ela assim pensar com mais calma, refletir sobre o que acontecia. Logo reparou que não via-o há dias.
Encontraram-se horas depois, e pode a primavera voltar ao seu digno ritmo normal. Resolveu-se o mal-entendido, não fácil, mas também não difícil. Sobre este amor ainda pouco sei, é bastante novo. Sobre os acontecimentos que quase acabaram com ele pouco vale comentar.
Mas há, sim, algo que muito vale comentar e dissertar sobre: esse movimento das coisas, que têm uma tendência fugaz de acabarem-se logo de começarem. E também uma tendência de se dificultarem muito, seja no meio, no começo, no fim, no posfácio ou prólogo. Pobre, não do rapaz, mas de todos nós que vivemos nessa vida.
Mas recomendo, se é que tenho poder para recomendar-lhe algo, leitor, que já que vivemos, vivamos bem. Sejamos, no mínimo satisfeitos. É daqui pra frente dar um passo, mas um passo pra frente. Só pra frente. Não que possamos competir com essa vida, diabos, haja destino ou não, mas tem algo que nos controla, tem alguém ou alguma coisa, alguma força que nos controla.
Se me permite mais uma opinião, acho que quem nos controla é o amor.

Augusto Môro

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