terça-feira, 31 de março de 2009

suave

Suave


Acordava clara, alva como os lençóis de linho e, – num tilintar de olhos – dentre algum raio de sol que se pôs a espreitá-la de fora, a mais linda e fúlgida face se mostrava frígida e manhosa ao acordar da manhã, com o Sol ainda tímido no horizonte.
Lentamente, dum espreguiçar-se angelical, fez se formar um sorriso, que de tão lindo comoveu o vento que passando soprou-lha os cabelos; e soprou as cortinas, soprou a sua branca roupa de dormir e soprou a grama verde e orvalhada do jardim, um zéfiro, calmo, soprou... E se foi.
Dos sutis passos até a cômoda, ouviram-se seus pequenos pés que tocavam o tapete, e o silêncio do seu andar sutil, tímido e místico fazia a sinfonia pura e simplesmente perfeita, que nem mesmo as fadas, vibrando suas asinhas, conseguiriam compor!
Era mais cativante e gélida com o rosto arrebatado ainda pelo sono, e a roupa lívida que vestia para dormir somente a fazia tornar-se mais almejada.
Ah, se estes mortais olhos a vissem! De certo se derramariam em lágrimas, que logo se tornariam profundas súplicas!
Era de uma beleza incompreensível, intocável...
À cômoda a troca de roupa foi escolhida e enfim nua, entrava para seu banho onde a água quente brilhava multicolor, com o pouco de luz que vazava por dentre o vidro.
Enquanto isso seu corpo era ensaboado, e aos poucos tomava a pele o cheiro das rosas brancas, rosas estas do mais belo vergel. Os cabelos cheios de bolhas de espuma eram cuidadosamente lavados e, antes lisos pelo peso da água, aos poucos voltavam ao seu formato anelado, cacheados de um vórtice entorpecente.
O vapor que já havia tomado conta do lugar deixava ver no espelho somente a silhueta do seu corpo, que as poucos ia secando-se, por uma toalha triste e seca verde-clara, macia de algodão, depois molhada, e feliz.
Pendurou esta ao cabide, vestiu suas roupas, e o vestido creme escolhido – e como este lha caía bem! – era mais arrebatador que o céu cheio de nuvens, com aqueles formatos e riscos, voluptuosas formas do firmamento!
E pouco fez para pentear os cabelos, os fios pareciam saber onde tinham de estar! Colocaram-se todos nos seus lugares... Todos aqueles pequenos e perfeitos cachos, simétricos, simís, pareciam ter sido esculpidos um a um, e colocados de forma a deixar aquele rosto ainda mais lindo...
A última olhada ao espelho... Oh, espelho! Grande sorte, pois podes olhar aquela face de perto, aqueles olhinhos... O Sol já brilhava com mais vontade... E sua luz tocou ao vestido, refletiu-se, talvez com mais força, refletiu e saiu pela janela pela qual entrara...
Era como se o brilho refletisse de todo, mais um brilho – um brilho descomunal – brilhava, e brilhava, do seu interior para fora! De seus sentimentos para seu corpo, de sua alma para seus olhos...
Diante a porta aberta, a luz daquele sorriso já emanava estonteante, e fazia minha vida e a vida de meus olhos mais feliz. Luz e vida pelas quais vivo...
E do lado de dentro do aposento, fica somente a cama desfeita, o som da porta se encaixando, e depois o girar da maçaneta...

Augusto Moro

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