quinta-feira, 26 de março de 2009

sem barco

Sem Barco

Não se ouvia mais que o arrastar do peso do seu corpo por cima da areia; isso que andava lento e baixo. Pouco ruído fazia a água do rio, isso que era cheia, tinha chovido uma semana inteira. Um dia calmo e quente de verão.
Andava, andava. Já há dia que andava. A família tinha ficado, gente demais pra andar. Andou, então, sozinho. Não sozinho de vez, pois tinha esperança.
A fazenda havia sido arrendada por um canavieiro – era trabalhar na cana ou ir embora. Não tinha mulher, nem filhos; Não tinha porquê ficar. Foi-se logo de uma vez, tentar uma vida decente.
Decisão difícil, mas foi-se. A mãe amassou pão, colocou na sacola junto da troca de roupa, chorou. O pai deu abraço, e uma medalhinha de ouro em forma de figa, p'ra sorte.
Saiu bem cedo, andou por um dia, comeu, dormiu, comeu, e vinha andando de novo já fazia sol. Aí só o barulhinho baixo do rio, e o arrastar do corpo.
Foi só quando sento a margem que lhe passou pela cabeça que teria de atravessar toda aquela água – mas não tinha barco algum.
Diabos, o rio! De verão, cheio, engolfando o horizonte num verde-marrom molhado. Um molho misto de desilusão e beleza. Era agora dia-e-meio de andar de volta, só que sem pão; havia uma vila do outro lado, mas do outro lado. Tinha uma vida do outro lado, mas do outro lado. E não adiantava lágrima que corresse, par'o rio era uma gotícula de nada, tinha mais água com que se importar.
Ou podia nadar! Ou fazer um barco... É aquela arvorezinha ali. Mas até derrubar e talhar, oras vai dia... Era nadar ou voltar.
Colocou uma pedra na bolsa, girou e soltou com toda a força. Faltou ali metro para vencer meio rio. Era pulo alto de se conquistar. A correnteza não era leão de brava, mas não ajudaria na travessia.
Matutou mais minuto, ia nadar. Era só ir aos poucos, não afobar por besteira, ir dando as braçadas lentas, poupando energias. E atirou-se no rio.
É pena, leitor; uns dizem que um barco pescador achou o corpo. Já ouvi dizer que morreu e sumiu na foz. Outro disse que pouco nadou e voltou, morreu mesmo em casa, de tanto trabalhar na cana.
Mas tem quem acredite que chegamos lá. Que cruzamos o rio, com nossas forças, que vencemos, que abraçamos a margem do outro lado, arfando, cuspindo água, mas felizes. Absurdamente decompostos de cansaço, mas realizados. Mas felizes, chorando no rio, renascidos, vendo o brilho do sol, e o rumor baixo das águas da vida.

Augusto Môro

Um comentário:

  1. Fera eh o pv aqui...velho eu achei muito bom esse aqui!
    nao sou muito critico mas gostei!

    abraço!

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