domingo, 10 de abril de 2011

Desnecessários

Desnecessários

O suéter que vesti pela manhã cheirava inteiramente a ela.
A noite de domingo não tinha sido fácil; prantos e mais prantos, cansaços, dores. Uma crise daquele tamanho não deve ser fácil de enfrentar. Qual foi a crise e os pormenores da peleja pouco importam, o realmente extraordinário foi ela ter recorrido a mim para socorrê-la.
Recebi sua ligação já passavam das oito da noite. Eu estava em casa, preparando-me parar dormir. Fiquei tão assustado de ouvi-la em prantos – achei que as lágrimas eram por minha causa – que coloquei meu suéter verde musgo velho, sem camisa por baixo, a primeira calça que encontrei e meu sapato sem meias. Cheguei à casa dela ofegante, vermelho como maratonista, ao ponto de precisar tomar alguns minutos ao portão, para recuperar a estirpe. Toquei a campainha, sua mãe me atendeu e me dirigiu ao quarto aonde se encontrava trancada a senhorita. Quanto bati à porta e chamei-a pelo nome, uma fresta se abriu, uma que eu mal conseguia passar. Entrei.
Chorava muito, eu me desesperei mais ainda. É difícil ver a pessoa que se ama em prantos.
Abracei-a, somente (àquele momento já sabia eu que ela não chorava por minha causa). Eu estava realmente atônito, inteiramente atônito. O nome dela, baixinho e com a voz pesada, foi a única coisa que consegui dizer após vários minutos do meu ombro molhado. O outro ombro já havia se molhado inteiro quando pensei em algo pra dizer.
“Estou aqui, se acalme...” grande coisa, não? Não, partindo do pressuposto que era eu quem o dizia; particularmente sou muito mais fraco que ela, não sou bom pra manter minha opinião, nem lidar com decisões. Sou um covarde, em verdade. Odeio fazer os outros tristes. Por mais que eu seja um mestre em fazê-lo.
“Vamos, pare de chorar, erga esse rosto...” ergui o rosto dela meio à força, puxando-a pelo queixo; fantástico como ainda estava linda, mesmo com os olhos inchados, o rosto vermelho e pouco ofegante, e aquela roupa pouco elegante de se ficar em casa. Linda.
“Pare com isso, se esforce pra manter o rosto erguido...” Pois ela se recusava a continuar me olhando. Aliás, estava toda fechada, os braços cruzados, as pernas recolhidas. Abri a fortaleza com outro abraço, e mais lágrimas vieram.
“Eu sei que é difícil, eu sei. Mas você tem de se esforçar, você é tão forte...” e por mais que ela insistisse em se dizer fraca, nós dois sabemos o quanto ela é forte. Mas a tristeza, essa sim sabe o que faz com nossa consciência. Quando você se sente um nada, quando se abraça a lama do fundo, você se sente fraco. Por mais que seja fortíssimo só de ter agüentado a queda.
“Esqueçamos disso, hã?” eu disse, após algumas horas. “Falemos sobre outra coisa.” propus, por mais que nem eu soubesse do que mais falar. Disse em seguida alguma piada que claramente não coube no momento, e a fez se arrepender de ter recorrido a mim, por mais que momentaneamente.
“Quer ouvir uma música?” não deu certo. “Está com fome?” não. “A janela aberta, quer que eu feche?” e o tanto faz que me fez reparar no quanto eu estava sendo patético foi a resposta.
Sentei-me então, levemente desolado e totalmente perdido. Eu faria o que fosse necessário para animá-la, dançaria como um macaco, cantaria música italiana, leria um Best-seller, qualquer coisa.
A frase mais importante que disse a ela, e que a fez desistir das lágrimas e ir comigo comer um pedaço de pudim na doçaria que ainda se encontrava aberta, lembro-me dela ser épica, empolgante. Mentira, esqueci-me totalmente. Não sei com que destreza lidei com ela, mas fomos comer o pudim mais salgado que já existiu. No caminho olhamos as estrelas, no caminho de ida. No de volta falamos tanto sobre nós dois e o nosso amor que há poucos dias tinha se desencontrado que esquecemos até de dobrar a terceira esquina à esquerda, que levava a sua casa. Declaramos-nos no portão, encontramos novamente nos olhos, no interior de nós dois o amor que sentíamos, aquele que se sente pela pele, pela pessoa, não por qualquer máscara que se veste. Ficou evidente naquele segundo porque ela tinha recorrido a mim. A noite de domingo, que era toda tempestades, tornou-se bonita como um raio.
E o suéter verde musgo velho que vesti hoje, pela manhã, cheirava inteiramente a ela. Entendem que isso tudo que contei serve só pra justificar o quanto isso é extraordinário?

Augusto Moro

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